Espaço insular e questão sanitária têm parte ligada. Num local diminutivo, pode-se melhor confinar as populações abrangidas do que se pode identificar mais facilmente os lares infeciosos para não dizer contagiosos. “Cortar às fatias a relação dos corpos a fim de suprimir a doença nos limites impostos: estas duas condições, de corte e cerca, foram cumpridas1 “por uma geografia de fragmentação das ilhas à qual se fez grosso modo corresponder uma dupla estratégia. Seja porque a exclusão bane o doente atingido pela lepra fora de um espaço a purificar, seja porque a inclusão faz-se isolando o doente atingido de peste num espaço a controlar2. Lepra: distanciar para afastar; peste: afastar para internar. Tal é a insularização praticada a partir do continente. Conter em meio natural circunscrito.
Metade dos lazaretos concebidos para se proteger da peste na Europa foram ilhas3. Em 1377, uma primeira quarentena histórica teve lugar no ilhéu de Mrkan (Adriático) antes de se deslocar para não longe no outro ilhéu à frente de Dubrovnik em 1430, depois numa ilha chamada Lokrum. Em 1423, Veneza já tem o seu estabelecimento no ilhéu de Santa Maria di Nazareth, ao qual se junta um lazzaretto nuovo (1468) depois um outro na ilha de Poviglia. Lazaretos sob autoridade veneziana existem na Cefalónia e em Corfu, (num ilhéu perto da cidade). Em Livorno, um controlo sanitário foi instaurado no ilhéu do Fanal em 1582. No porto de Ancona, um pentágono edificado sobre a água dá um aspeto de ilha artificial. Nápoles tem o seu no ilhéu de Coppino, vizinho de Nisida (ilha onde estão apenas situadas instalações de simples “observação”). Sempre em situação de dupla insularidade, o ilhéu Manoel a norte de La Valeta em Malta, ou o ilhéu de quarentena de Minorca, antes da escavação de um canal tendo por efeito transformar a península de San Filipet (Mahón) em ilha onde se ergue um segundo lazareto (o mesmo em Trieste: um canal isola o lazareto da cidade). Até o lazareto de Kostajnica está localizado numa ilha (é verdade que é fluvial) na fronteira entre a Bósnia e a Croácia. Marselha tem duas quarentenas: uma na ilha de Jarre para os navios em “patente bruta” (N.T. – que atesta que partiu de um país infetado), o outro, comum, em Pomègues (arquipélago do Frioul) onde o Grand Saint-Antoine com proveniência da Síria pestífera se prepara para dizimar a cidade em 1720. A grande viragem sanitária na Europa, após as pandemias de peste, foi a irrupção da febre amarela e da cólera, para as quais se construíram novos dispositivos insulares: hospital Caroline nas ilhas Frioul (Ilha de Ratonneau), Sanguinárias (Ajácio), de Hyères (Porquerolles e Bagaud), San Antonio (porto siciliano de Trapani), Asinara (Sardenha), Ayios Nikolaos (Cíclades)4, …Um cordão sanitário espalhou-se pelo litoral atlântico: em Saint-Vaast-la Hougue (ilhéu de Tatihou), no Havre (ilhéu do Hoc), em Brest (ilhéu de Trébéron), em Lorient (Ilha de Saint-Michel), em Rochefort e em La Rochelle (ilha de Aix).
Nas colónias, donde procede em parte a nova epidemiologia tropical, um cruzamento faz com que lepra e peste estejam muito perto da febre amarela. Em São Domingos, em 1712, hesita-se em banir uma vintena de famílias da ilha da Tartaruga por causa da lepra, antes que as autoridades mudem de opinião. Em Guadalupe escolhe-se sequestrar os leprosos na Désirade entre 1728 e 1958. Os primeiros documentos relativos aos leprosos guianenses remontam a 1818. São quarenta escravos internados no ilhéu de La Mère, depois transferidos para uma das ilhas do Salut (Royale), e, de lá, transferidos de novo para um afluente do Mana, o Acarouany. A questão do que fazer com os leprosos coloniais desdobra-se numa outra, logo após a abolição da escravatura: à maneira como se distinguia os doentes escravos e livres (dito de outra maneira Brancos, estando a maior parte isenta de reclusões sanitárias, e Negros, em princípio internados), os regulamentos distinguem neste momento, duas categorias de leprosos, os da população livre e os do “elemento” penal introduzido pelos forçados da Guiana e da Nova Caledónia. Estes últimos dependem com efeito unicamente da administração penitenciária. Na Guiana, são enviados para a ilha de Saint-Louis do Maroni. Os condenados leprosos da Nova Caledónia são-no para a ilha de Nou, não longe da colónia penal, depois para a ilha de Art (arquipélago de Belep) e para a ilha das Cabras, antes de passarem pela península de Ducos, muito próximo de Nouméa. Os leprosos melanésios do arquipélago das ilhas Lealdade são internados na ilha de Dudun (Ilha de Maré). A diferença, étnica (indígenas / escravos) e jurídica ( forçados a cumprir a pena e libertados), opera-se também socialmente para os indigentes, que se entende colocar numa “leprosaria marítima” (e não “terrestre”), na Cochinchina, e que se acaba por dirigir para uma ilha do Mekong, como na Costa do Marfim, faz-se para a ilha Désirée, numa laguna a quatro horas de Abidjan.
A peste (epidémica) não tem a ver com a mesma insularidade da lepra (endémica). Se é certo que uma é de progressão lenta, incurável e reputada moderadamente contagiosa, também é certo que é ao mesmo tempo fulminante e menos fácil de prevenir, antes dos primeiros sintomas, do que a lepra e os seus estigmas. Quando a peste chega a Nouméa, o espaço urbano é objeto de uma insularização distributiva: no interior do que as autoridades sanitárias chamam uma “grande cerca”, a península é fracionada por isolados para os Europeus; para a mão-de-obra “contratada” de origem asiática, em contrapartida, é reservado um ilhéu de quarentena na baía de Nouméa (Santa-Maria).
Espacialização/especialização que se encontra, à entrada da cidade, no lazareto do ilhéu de Freycinet dividido ele próprio em duas partes recondicionadas: para a observação da doença por um lado e para o seu tratamento por outro. O mesmo acontece na ilhota em Cabrit do arquipélago dos Santos em Guadalupe, ocupada por uma prisão central e que também serve de depósito para os condenados a trabalhos forçados guadalupenses que dois comboios por ano conduzem ao presídio na Guiana5. Isolados sem afastamento, os lazaretos de quarentena
têm uma política oposta ao esquema de dupla insularidade leprosa. Não se trata de os instalar o mais longe possível, mas, como com o ilhéu de Maskali da costa francesa dos Somalis, se possível o mais próximo dos portos e circuitos comerciais. Razão pela qual, em 1893, se vai encerrar o lazareto dos Saints em proveito de um outro ainda mais aproximado, no ilhéu de Cosson de Pointe-à-Pitre. Já não se estará lá num campo protegido de molde a reforçar as epidemias por concentração das doenças, mas num local de trânsito, uma via de passagem acelerando a retoma da circulação das pessoas e mercadorias. Substituir-se-á aí a desinfeção dos navios pelo internamento das pessoas em quarentena preferindo a inclusão dos bens num fluxo de livre troca pela inclusão das doenças numa organização de isolamento em todos os casos (lepra ou peste) incompletamente aplicado e mais ou menos controlado.
[1] Ver Éric Fougère, La Prison coloniale en Guadeloupe, Matoury (Guyane), Ibis Rouge, 2010.
1 Éric Fougère, Les Îles malades, Classiques Garnier, 2018, p.8.
2 Ver M. Foucault, Surveiller et punir, Paris, Galimard, 1975.
3 Ver Daniel Panzac, Quarantaines et lazarets, Aix-en-Provence, Édisud, 1986.
4 Ver John Chircop e Francisco Javier Martínez (ed.), Mediterranean Quarantines, 1750-1914, Manchester University Press, 2018