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Categoria: Ioannis Spilanis-pt

A Ilheidade

Atualmente, prevalecem duas visões do que é a ilheidade, e qual é a diferença entre esta expressão e o seu termo relacionado, insularidade. A primeira perspetiva adota a narrativa de que a ilheidade é de certa forma uma evolução académica da insularidade e a segunda sugere que a insularidade é uma caraterística padrão, como a pequena dimensão, o afastamento e o isolamento, a identidade experiencial especial, e o ambiente natural e cultural rico e vulnerável. Acrescentando à discussão pública que se relaciona com a forma como as ciências vêm as ilhas e, consequentemente, como as ilhas são geridas através de políticas públicas, é crucial lançar luz sobre a ilheidade como uma expressão contemporânea.

Como Conkling (2007, 200) argumenta, as ilhas são fundamentalmente definidas pela presença de massas de água frequentemente assustadoras e ocasionalmente intransitáveis que criam uma sensação de um lugar mais próximo do mundo natural e de vizinhos cujas excentricidades são toleradas e abraçadas. Dada esta afirmação, argumenta (Conkling 2007, 200) que “a ilheidade é muitas vezes considerada como uma sensação metafísica derivada das elevadas experiências que acompanham o isolamento físico da vida insular, […] como um importante fenómeno meta cultural que ajuda a manter as comunidades insulares apesar das assustadoras pressões económicas para as abandonar”. Descreve brevemente a ilheidade como “uma construção da mente, uma forma singular de olhar para o mundo”. É estar ou não estar numa ilha.    

Em qualquer caso, dado que ambos os conceitos (insularidade e ilheidade) comunicam, presume-se também que a ilheidade inclui quatro caraterísticas/aspetos principais: delimitação, exiguidade, isolamento e litoralidade (Kelman 2020, 6). A delimitação descreve as fronteiras e os limites físicos das ilhas. A exiguidade refere-se à área terrestre, população, recursos e oportunidades de subsistência. Isolamento significa distância, marginalização e separação de outras áreas terrestres, pessoas e comunidades. Por último, mas não menos importante, a litoralidade, refere-se a interações terra-água, zonas costeiras e interseções de achipélagos e aquapélagos (Kelman 2020, 7).

Adicionalmente, Baldacchino (2004, 278), de outra perspetiva mais prática, argumenta que “a ilheidade é uma variável interveniente que não determina, mas antes contorna e condiciona eventos sociais e físicos de formas distintas, e distintamente relevantes”. O autor sublinha que “isto não é fraqueza ou deficiência; pelo contrário, aí reside a maior força e o enorme potencial deste campo” (Baldacchino 2006, 9). Faz também uma sugestão interessante sobre a ligação entre a ilheidade e a insularidade: “investigadores e profissionais devem estar conscientes de quão profundamente enraizadas e estultificadas podem ser as consequências sociais da ilheidade e esta caraterística específica pode na realidade ser chamada insularidade” – Baldacchino (2008, 49). Assim, o autor assume que a ilheidade não é sinónimo de insularidade, mas esta última é uma das muitas caraterísticas da ilheidade, que descreve uma condição específica que distingue as comunidades insulares. A insularidade pode ser considerada como um breve termo para descrever a perifericidade, que pode incluir três tipos de distanciamento: o físico, o imaginativo e o político-jurídico (Nicolini e Perrin 2020).

Há provas suficientes de que as ilhas – as pequenas ilhas em particular – são locais distintos o suficiente, ou abrigam caraterísticas suficientemente extremas de processos mais gerais, para justificar a sua relevância continuada como sujeitos/objetos de foco e investigação académica. Há um debate no âmbito da nissologia, ou seja, o estudo das ilhas nos seus próprios termos, sobre a singularidade das ilhas. Outros ainda consideram as ilhas como “laboratórios vivos”, centrais para a compreensão do que acontece subsequentemente no território continental. As ilhas são muitas vezes vistas como lugares que precisam de ser salvos e tratados de forma diferente do continente para alcançar os padrões continentais dominantes. De facto, as ilhas têm sido sempre um pomo de discórdia, quer vistas como paraíso ou inferno.  A investigação interdisciplinar sobre a essência das ilhas e o que constitui a condição insular dentro de um quadro crescente da “nissologia”, reforçou a necessidade de distinguir a insularidade da ilheidade.  Nenhuma ilha é insular, o que significa “completa em si mesma”. Uma abordagem que se baseia no argumento de que as ilhas precisam de ser estudadas nos seus próprios termos, que também está alinhada com uma utilização politicamente mais correta da terminologia associada, tem gradualmente substituído a insularidade pela ilheidade. A insularidade como termo, tem sido amplamente utilizada no meio académico e público em geral para descrever caraterísticas ‘objetivas’ e mensuráveis, incluindo áreas de pequena dimensão, reduzida população (reduzido mercado), recursos limitados, isolamento e perifericidade, bem como ambientes naturais e culturais únicos, que sintetizam uma condição insular. No entanto, envolve também uma “identidade experiencial” distintiva, que é uma qualidade não mensurável que expressa os vários símbolos a que as ilhas estão ligadas (Spilanis et al. 2011, 9). O termo “insularidade” surgiu involuntariamente com uma bagagem semática de separação e atraso. Este negativismo não faz justiça ao tema em questão (Baldacchino 2004, 272).

E é de grande importância que a ilheidade e as quatro dimensões acima mencionadas, tenham de ser examinadas mais de perto através de várias lentes disciplinares. A essência dos “estudos insulares” é a constituição da ilheidade e da sua possível ou plausível influência pelas disciplinas tradicionais unidisciplinares (tais como arqueologia, economia ou literatura), disciplinas multidisciplinares (tais como economia política ou biogeografia) ou focos/questões políticas (tais como governação, património social, eliminação de resíduos, extinção linguística ou turismo sustentável) (Baldacchino 2006, 9). A evolução da terminologia relacionada com as ilhas é apenas um dos sinais que afirma que as ilhas são de facto localizações para grandes questões e desenvolvimentos no século XXI, sendo considerado como um dos desafios epistémicos mais fundamentais da atualidade que sejam estudadas nos seus próprios termos.

Mitropoulou AngelikiSpilanis Ioannis

Referências

Baldacchino, G. 2004. The coming of age of island studies. Tijdschrift voor economische en sociale geografie, 95(3) : 272-283.

—. 2006. Islands, island studies, island studies journal. Island Studies Journal1(1): 3-18.

—. 2008. Studying islands: on whose terms? Some epistemological and methodological challenges to the pursuit of island studies. Island Studies Journal3(1): 37-56.

Conkling, P. 2007. On islanders and islandness. Geographical Review, 97(2): 191-201.

Kelman, I. 2020. Islands of vulnerability and resilience: Manufactured stereotypes?. Area52(1): 6-13.

Nicolini, M., & Perrin, T. 2020. Geographical Connections: Law, Islands, and Remoteness. Liverpool Law Review, 1-14.

Spilanis, I., Kizos, T., Biggi, M., Vaitis, M., Kokkoris, G. et al. (2011). The Development of the Islands – European Islands and Cohesion Policy (EUROISLANDS). Final report. Luxemburg: ESPON & University of the Aegean. Available at: https://www.espon.eu/sites/default/files/attachments/inception_report_full_version.pdf (Accessed: 07 December 2020)