Skip to content

Categoria: Boavista-pt

Germano Almeida

Germano Almeida nasceu em 1945, na ilha da Boavista, no arquipélago de Cabo Verde. Como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, formou-se em Direito na Universidade de Lisboa. Regressado a Cabo Verde, exerce advocacia na cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, onde vive desde 1979.

Foi um dos fundadores da Ponto & Vírgula, que pretendia dar uma oportunidade de publicação aos escritores das ilhas de Cabo Verde. A revista, sem uma linha editorial comprometida com política e ideologias, “nós [Germano Almeida, Leão Lopes e Rui Figueiredo] sempre dissemos que a revista é para os amigos, inimigos, criticadores, os críticos e todo o mundo que queira escrever para ela” (Laban, 1992: 625), augurava trazer à luz os escritos da intelectualidade cabo-verdiana, o que, nas palavras de Germano Almeida, se revelou infrutífero: “[A revista] poderá, daqui a uns tempos, afirmar que serviu para desmistificar, de certo modo, aquilo que quase toda a gente pensa: em Cabo Verde, produz-se muito e não há meios de publicação” (Laban, 1992: 621).

Esta revista é reveladora de uma das ideias que têm acompanhado o pensamento de Germano Almeida, levar a literatura cabo-verdiana para um patamar de amadurecimento que se afaste da descrição e que se foque na reflexão: “uma literatura que nos levasse à análise do homem cabo-verdiano – da própria posição do homem cabo-verdiano na sociedade, para mim, sobretudo depois da Independência, até agora não houve nada acerca disso” (Laban, 1992: 631).

O estádio reflexivo da literatura cabo-verdiana seria o ponto de afirmação capital de Cabo Verde enquanto nação insular, o ilhéu cabo-verdiano que se aproxima geograficamente de África mas revela maior cumplicidade com o panorama social, político e cultural europeu: “eu [Germano Almeida] penso que é necessário continuar a ter coragem de nos afirmarmos como cabo-verdianos ligados, politicamente, digamos, a uma raiz africana, também a uma raiz europeia, que deu essas duas culturas ligadas, dando a impressão que era uma coisa nova.” (Laban, 1992: 676).

O ponto de vista defendido por Germano Almeida torna-se central na seguinte afirmação do autor: “Nós [cabo-verdianos e portugueses] temos muitos pontos comuns, obviamente, sobretudo Cabo Verde, que é um país feito pelos portugueses. Mas as ilhas – não só a sua orografia, mas sobretudo a ausência de meios de vida, a falta de chuva, sobretudo – fizeram de nós pessoas diferentes”[1]. Em relação à lusofonia, porque existe um sentir diferente do ilhéu cabo-verdiano e a língua portuguesa aparece como um instrumento de expressão gráfica dos escritores, Germano Almeida considera-se um lusógrafo e não um lusófono: “não gosto muito da expressão lusofonia. Somos escritores de diversos países que usam a língua portuguesa como língua de contacto, como língua de expressão, mas não é uma cultura lusófona”[2].

A geração literária de Germano Almeida preocupa-se com a reflexão de temas que ultrapassem a simples descrição pessoal das diferenças existentes nas ilhas (a seca, a emigração, e a própria situação política pós-independência), no sentido de se pensar acerca da condição do homem cabo-verdiano e a sua condição de ilhéu. Assim, Germano Almeida reflete o culto das ilhas e do valor da insularidade nas gentes do arquipélago cabo-verdiano, assumindo essa condição de questionamento ôntico e de descoberta de um caminho maduro para a literatura cabo-verdiana.

O livro pelo qual se tornou conhecido é O testamento do sr. Napumoceno da Silva Araújo, que foi adaptado ao cinema. A vida de Napumoceno é um conjunto de peripécias que se foca na identidade cabo-verdiana e subtilmente na reflexão da sua matriz insulana. Por entre humor e ironia, Germano Almeida procura em Napumoceno a reflexão sobre a vida de um pobre homem de S. Nicolau que se torna um respeitado comerciante do Mindelo, mas que indaga o leitor sobre a vida das ilhas, a independência e não união com a Guiné, “Proclamavam ser necessário criar-se uma força capaz de se opor àqueles que vinham da Guiné” (Almeida, 1997: 44), a pobreza, a diáspora, “Não deixo porém de pensar ser uma pena que a distante América teime em roubar-nos excelentes esposas e futuras mães” (Almeida, 1997: 63), as ligações a Portugal e à Europa, e a condição de ilhéu, “A verdade, porém, é que preferia fechar-se em casa a redigir o testamento da sua vida porque já não se reconhecia naquela intolerância tão contrária ao modo de ser do ilhéu” (Almeida, 1997: 45). Napumoceno, ao morrer, “pensei que ele estivesse ainda a dormir e só quando abri a janela é que vi que ele dormia o sono dos anjos” (Almeida, 1997: 167), deixou um testamento que, à “150.ª página” (Almeida, 1997: 7), passa a ser lido por Américo Fonseca, pois mais parecia que o falecido “escrevera antes um livro de memórias” (Almeida, 1997: 7).

O autor publicou os seguintes títulos: O testamento do sr. Napumoceno da Silva Araújo (1989), O dia das calças roladas (1992), O meu poeta (1990), A Ilha Fantástica (1994), Os dois irmãos (1995), Estórias de dentro de casa (1996), A morte do meu poeta (1998), A família Trago (1998), Estórias contadas (1998), Dona Pura e os camaradas de Abril (1999), As memórias de um espírito (2001), Cabo Verde – Viagem pela história das ilhas (2003), O mar na Lajinha (2004), Eva (2006), A morte do ouvidor (2010), De Monte Cara vê-se o mundo (2014), O Fiel Defunto (2018), O último mugido (2020) e A confissão e a culpa (2021).

Em 2018, Germano Almeida recebeu o mais distinto prémio literário para autores de língua portuguesa, o Prémio Camões.

Paulo César Vieira Figueira

Bibliografia

Almeida, Germano (1997). O testamento do sr. Napumoceno da Silva Araújo. Lisboa: Caminho.

“Escritor cabo-verdiano Germano Almeida não gosta da expressão ‘lusofonia’”. Acesso digital: https://observador.pt/2021/10/27/escritor-cabo-verdiano-germano-almeida-nao-gosta-da-expressao-lusofonia/. Consultado a 03-01-2022.

Gândara, Paula (2008). Construindo Germano Almeida: a consciência da desconstrução. Lisboa: Vega.

Laban, Michel (1992). Cabo Verde: encontro com escritores. Vol. II. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida.

Laranjeira, Pires (1987). Formação e desenvolvimento das literaturas africanas de língua portuguesa. In Literaturas africanas de língua portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 15-24.

Mariano, Gabriel (1991). Cultura caboverdeana – ensaios. Lisboa: Vega.


[1] In “Escritor cabo-verdiano Germano Almeida não gosta da expressão ‘lusofonia’”. Acesso digital: https://observador.pt/2021/10/27/escritor-cabo-verdiano-germano-almeida-nao-gosta-da-expressao-lusofonia/.

[2] In “Escritor cabo-verdiano Germano Almeida não gosta da expressão ‘lusofonia’”. Acesso digital: https://observador.pt/2021/10/27/escritor-cabo-verdiano-germano-almeida-nao-gosta-da-expressao-lusofonia/.