A Désirade é uma ilha de uma vintena de km2 situada não longe da Grande-Terra em Guadalupe, à qual está administrativamente ligada. O que se sabe disso de fonte oficial começa com o desterro dos leprosos que aí são sequestrados a partir de 1728[1]. Uma micro-sociedade crioula[2] (“habitantes algodoeiros”, “pequenos-brancos”, mulatos, escravos) aí vive desde há três décadas quando um outro acontecimento volta a cruzar a sua história à margem das grandes correntes de trocas (conta então com uma cinquentena de famílias[3]) : nos termos de um despacho de julho de 1763, Luís XV e o seu ministro Choiseul entendem livrar-se dos “jovens de mau comportamento”. Um objetivo é esvaziar pela força as casas de correção onde estão normalmente detidos estes “sujeitos perigosos” de família.
Há toda uma tradição. Sob a Regência, enviavam-se “contratados” para colonizar as Antilhas e a Luisiana (ilha Dauphine) permitindo que alguns de entre eles escapem às galeras. Experiência iniciada, mais longe no tempo, por cartas-patente autorizando o recurso a criminosos arrancados da prisão para irem povoar o Canadá (1540-41) depois as ilhas Douradas (Bagaud, Port-Cros, Levante) decretadas terras de asilo (1550). Lembra-se também os projetos de fundação de uma colónia francesa no Brasil, na atual ilha de Villegagnon, na baía de Guanabara (1555-60) recrutando parte dos candidatos no elemento penal (e nomeadamente vagabundos e falsos-salineiros), depois na ilha de Sable (ao largo da Nova-Escócia) com uns sessenta condenados dos quais apenas sobreviveu uma dúzia (1598-1603)…
Se o texto de 1763 diz que “o rei permite fazer passar pela ilha da Désirade os jovens […] cujo comportamento irregular teria obrigado os pais a pedirem que aqueles fossem exportados para as colónias”, é porque sendo diferente do que se praticava até então, estes não são julgados, mas visados por cartas de prego (Nota do tradutor: lettres de cachet, no original) com base na simples acusação de um particular querendo obter uma ordem de detenção que fica à discrição do poder após inquérito. Não são cadastrados, mas condenados pela polícia. Na Désirade, em consequência, não se trata de colonizar, mas de corrigir. Daí a orientação disciplinar : serão distinguidos os “arruaceiros” por classes à medida que se “reconhecerá neles mais ou menos emenda” com o envio de “certificados de vida”. Última diferença, explicando desta vez a organização militar : são “contidos” por uma companhia de infantaria encarregada de exercer a vigilância às ordens de um comandante que, se for o caso, os mandará “meter na prisão com ferros nos pés e mãos”.
A conceção do estabelecimento, prisão na prisão, dá e este o aspeto de um campo, não somente pela sua construção (uma prisão propriamente dita em alvenaria, seis choças onde os “arruaceiros” são fechados todas as noites num bairro da ilha chamado Les Galets, muros vegetais servindo de muralha e postos de sentinelas) mas também pelo seu funcionamento : três sargentos inspetores efetuam todas as noites uma chamada, e fazem-no também três majores, “a horas não fixadas” – o que não impede a evasão de quatro detidos supostamente afogados nem a de cinco outros, dos quais dois são “trazidos de volta”. Mas Villejoin, nomeado governador e comandante do campo no local, é o primeiro a denunciar as condições do que ele chama uma “crassa ociosidade” : “A ração não é suficiente na maior parte. […] vários estão três quartos do tempo de pés nus e sem camisa ; muito poucos recebem notícias das suas famílias e ainda menos ajudas.” Obrigadas a “submeterem-se” (pagar a pensão de cativeiro), famílias há que se esquecem de liquidar a mesma. Mas a igualdade de tratamento teórica está longe de ter sido seguida. Os melhor classificados, muitas vezes fidalgos, beneficiaram de favores : comem à mesa do governador ou dos oficias da guarnição, beneficiam por parte deles de empréstimos em dinheiro.
A bordo de corvetas ou paquetes, os “arruaceiros” são embarcados às dúzias com partida em Rochefort, com destino à Martinica e a Basse-Terre em Guadalupe. Em cada etapa (é preciso contar também as que os faz vir de todos os cantos do reino e das prisões de São-Lázaro ou de Bicêtre em Paris), os passageiros são guardados como prisoneiros (média de seis meses na prisão de Rochefort, e até três anos para alguns). São da província (somente dois são parisienses, dois outros são residentes das colónias), denunciados principalmente por “violências” e dívidas (em particular de jogo). A média de idades é de cerca de 25 anos (o mais jovem tem 16 anos, os mais velhos são quarentões). Alguns são da pequena ou média nobreza de vestimenta ou de espada, outros ainda pertencem a famílias de artesãos e de pequenos comerciantes, outros, enfim, fazem parte da burguesia. Quando o estabelecimento fecha, em 1767, são cerca de quarenta, em vias de partir de Rochefort, por não terem sido deportados (mortos, evadidos, repetentes, “revogados” a pedido das famílias… ou por causa de interrupção dos envios) num total de 139 processos classificados sem continuação ou recusados[4].
Desde o ano de 1765, quando existia há menos de um mês, já não se acreditava no estabelecimento. A correspondência trocada pelas autoridades coloniais e a metrópole, entre os intendentes de províncias e o ministério do Interior e o porto de Rochefort e o Gabinete das Colónias, coloca o acento em pelo menos três pontos: despesa excessiva (tendo em consideração um número também limitado de “residentes”) ; absurdo de um sistema de “recuperação”, fazendo dizer a Villejoin, tornado seu detrator, que os ”arruaceiros” são confundidos com alguns que são referenciados [marcados] como pessoas sem esperança, que têm demasiados vícios de coração […]. Não é de tais pessoas que se poderão extrair sentimentos e, esmagado pela miséria, encontrar-se-á pouquíssimos recursos em casa para voltar ao mesmo » ; indignidade de pais “sobre quem recai a infelicidade e deixa rasto a culpabilidade dos seus progenitores[5] “ em razão do desinteresse manifestado por eles pela sorte destes. Nos 53 que estão de regresso a Rochefort em pleno inverno (e dos quais um morre durante a travessia), 12 voltam aí a ser prisoneiros até que os seus pais os retirem de lá. Apenas 4 de entre eles são postos de novo em liberdade na primavera, sem resposta das famílias à correspondência em que lhes era pedido que os reclamassem.
[1] Ver Éric Fougère, Les Îles malades, Paris, Classiques Garnier, 2018.
[2] Com a diferença de que a monocultura aí é a d algodão, muito menos remunerada do que a cana-de-açúcar.
[3] Estimativa difícil de fazer com exatidão antes dos primeiros recenseamentos.
[4] Ver Bernadette e Philippe Rossignol, « Les “mauvais sujets” de la Désirade », Bulletin de la société d’histoire de la Guadeloupe n° 153 (maio-agosto 2009), p. 92-97.
[5] Éric Fougère, Des indésirables à la Désirade, Matoury, Ibis Rouge, 2008, p. 104.