Skip to content

Etiqueta: degredo

Nas origens do degredo e da deportação modernos: o exílio insular na Antiguidade romana

O concurso histórico aportado pelas ilhas às prisões remonta à Antiguidade romana: Os Romanos distinguiam relegatio ad insulam et deportatio ad insulam(1). Para além do conteúdo propriamente jurídico (a deportatio, que fazia perder ao condenado os seus direitos cívicos e a propriedade dos bens do seu património, era uma pena em teoria perpétua e decretada pelo imperador, diferentemente da relagatio, que o era por um governador e não apresentava o mesmo rigor, vêem-se articular duas noções que as legislações retomarão quando se tratar de direito penal e das ilhas; mobilidade no afastamento (relegatio ad), imobilidade no encerramento (deportatio in). A esse respeito, observa-se uma graduação das penas: degredo temporário ou perpétuo (fora de uma cidade ou de uma província), degredo numa ilha, deportação numa ilha, pena de morte (2).Existem também três tipos de exílio: interdição de locais específicos (em particular de Roma), exclusão de qualquer outro espaço diferente do lugar especialmente designado, confinamento numa ilha (não se precisando qual antes da sentença).

Podia-se degredar, ou mesmo deportar, não importa para onde, contanto que seja longe, como o mostra o exemplo de Ovídio em Pont-Euxin (Mar Negro). A pena insular não é menos praticada de facto, também ela marcada pela distância, com a deportação, para o arquipélago de Kerkennah (Tunísia), de Sepronius Gracchus, amante de Júlia, filha de Augusto igualmente degredada pelo seu pai para Pandataria (Ventotene), no arquipélago de Pontinas (onde a sua mãe foi ao seu encontro), antes de morrer em Régio di Calábria cinco anos mais tarde, em 14 após Jesus Cristo, aproximadamente. Tibério mandou exilar a filha de Júlia, tal como outras mulheres da família imperial; Otávia, esposa de Nero, Flávia Domitila, esposa de um rival de Domiciano,  Orestila, esposa de Calígula, Júlia Livila, Agripina, a Jovem (filhas de Germânico), exiladas na ilha de Ponza, Júlia Vipsânia, no arquipélago das Tremiti. Todas (exceto Flávia Domitila), por casos de costumes (adultério, aborto, deboche, sacrilégio), mas sem dúvida também pelas mesmas razões, políticas, explicando o envio, para Capri, de Lucília, irmã de Cómodo, e de Crispina, sua esposa, acusadas de conjura contra o imperador, ou de Séneca na Córsega por motivo de adultério com Júlia Livila, mas vítima também de intrigas no círculo de Cláudio(3).  Em  417,  em Lipari  

_________________________

(1) Ver Vincent Jolivet, “O exílio nas ilhas na Antiguidade romana”, in Brigitte Marin dir., “Les Petites Îles de Méditérranée occidentale”, Marselha, Edições Gaussen, 2021, p. 172-175.

(2) Ver Yann Rivière, “L’interdictio acqua et igni e a deportatio sob o Alto-Império romano in Philippe Blaudeau dir., Exil et relégation, les tribulations du sage et du saint durant l’Antiquité romaine et chrétienne (Ier – VIe après J- C), Paris, De Boccard, 2008, e, do mesmo autor, «La relégation et le retour des relégués dans l’Empire romain (Ier -IIIe) in Claudia Moatti, Wolfgang Kaiser, Christophe Pébarthe, dir., Le monde de l’itinérance en Mediterrannée de la Antiquités à l’Époque Moderne, Bordeaux-Pessac, Ausonius Éditions, 2009, p. 535-570.

(3) Ver Roselyne Immongault Nomewa, « Les éxilés romaines et l’espace répulsif dans l’empire romain : l’apport des sources littéraires latines », CHA, 2014, online em https://www.academia.edu

(grupo das Eólias onde a esposa de Caracala Plautila, tinha estado exilada e foi depois assassinada) foi exilado o primeiro imperador romano do Ocidente, acusado de usurpação, Prisco Átalo. O último imperador, na pessoa de Rómulo Augusto, foi enviado por Odoacro para Nisida, frente a Nápoles.

Por Tácito (Anais), e por Suetónio (Vida dos doze Césares), entre outros, sabe-se que uso Tibério fez das Espórades, (ilha de Cínaros) e sobretudo das Cíclades enquanto lugar de exílio: em Serifos (para onde foram expedidos Cássio Severo, opositor político, e Vistília, matrona acusada de se prostituir), Citnos (para onde foram degredados Júnio Silano, procônsul acusado de malversação), Lesbos (para Júnio Gálio, porque tinha proposto uma mudança de etiqueta que não respeitava a precedência), Amorgos (para onde foi deportado o procônsul Víbio Sereno), Andros (Flaco, prefeito do Egito), mas também Gyaros e Donoussa, que pareciam ter sido reservadas para os desterros mais severos(4) e cuja historiografia não reteve grande coisa devido a três fatores em que o primeiro está ligado à estratégia do esquecimento que preside ao desterro (quando os deportados não são suprimidos de uma maneira ou de outra – assassinato, miséria… – no fim do seu exílio insular). Uma outra explicação advém do facto de a dita estratégia, salvo exceção (nomeadamente a, em 19 D.C., de qualquer coisa como quatro mil libertos deportados para a Sardenha por causa das suas “superstições egípcias e judaicas” e que foram encarregues de lá reprimir o banditismo) abrangeu sobretudo pessoas isoladas de quem os historiadores só falaram (terceira explicação) quando estas pessoas tinham um título qualquer de notoriedade.

Se a sorte de cada um dos condenados romanos tomados separadamente não tem nada, para eles, de anedótico, está-se apesar de tudo perante a constatação de uma disparidade de experiências insulares que não se podem reduzir a qualquer ensaio de globalização. O que há de comum, por exemplo, entre a vida de João o Evangelista em Patmos e a do degredo de Agripa Póstumo, neto de Augusto, na ilha de Pianosa? O que há de comum entre ilhas, na maioria muito pequenas, onde era suposto tudo faltar (Cínaro, Serifo, Gyaros…) e outras onde os romanos ricos tinham construído casas de vilegiatura (em Capri, Pandatera, Nisida…)?  No  entanto fica esta última constatação: os romanos parecem ter inventado (mesmo se se pudesse encontrar esboços disso na época helénica) o espaço-ideia das ilhas-prisão, cuja utilização, ainda empírica, é ao mesmo tempo já sistemática.

Éric Fougère

(4) Ver Étienne Wolf, «Ambivalencedes îles dans la culture romaine : l’exemple de la vie de Tibère », Bulletin de l’Association Guillaume Budé, 2008, 1, p. 139-145.

(5) Ver Patrice Brun, Les Archipels Egeus na Antiguidade grega (V-II século antes da nossa era) Annales littéraires de l’Université de Besançon, Institut de Science et techniques de l’Antiquité, Centre de Recherches de l’Antiquité, Centre recherches d’ Histoire  ancienne, vol. 157 (1996), p. 23.