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Etiqueta: deportação

Os “arruaceiros”da Désirade (1763-1767)

A Désirade é uma ilha  de uma vintena de km2 situada não longe da Grande-Terra em Guadalupe, à qual está  administrativamente ligada. O que se sabe disso de fonte oficial começa com o desterro dos leprosos que aí são sequestrados a partir de 1728[1]. Uma micro-sociedade crioula[2] (“habitantes algodoeiros”, “pequenos-brancos”, mulatos, escravos) aí vive desde há três décadas quando um outro acontecimento volta a cruzar a sua história à margem das grandes correntes de trocas (conta então com uma cinquentena de famílias[3]) : nos termos de um despacho de julho de 1763, Luís XV e o seu ministro Choiseul entendem livrar-se dos “jovens de mau comportamento”. Um objetivo é esvaziar pela força as casas de correção onde estão normalmente detidos estes “sujeitos perigosos” de família.

Há toda uma tradição. Sob a Regência, enviavam-se “contratados” para colonizar as Antilhas e a Luisiana (ilha Dauphine) permitindo que alguns de entre eles escapem às galeras. Experiência iniciada, mais longe no tempo, por cartas-patente autorizando o recurso a criminosos arrancados da prisão para irem povoar o Canadá (1540-41) depois as ilhas Douradas (Bagaud, Port-Cros, Levante) decretadas terras de asilo (1550). Lembra-se também os projetos de fundação de uma colónia francesa no Brasil, na atual ilha de Villegagnon, na baía de Guanabara (1555-60) recrutando parte dos candidatos no elemento penal (e nomeadamente vagabundos e falsos-salineiros), depois na ilha de Sable (ao largo da Nova-Escócia) com uns sessenta condenados dos quais apenas sobreviveu uma dúzia (1598-1603)…

Se o texto de 1763 diz que “o rei permite fazer passar pela ilha da Désirade os jovens […] cujo comportamento irregular teria obrigado os pais a pedirem que aqueles fossem exportados  para as colónias”, é porque sendo diferente do que se praticava até então, estes não são julgados, mas visados por cartas de prego (Nota do tradutor: lettres de cachet, no original) com base na simples acusação de um particular querendo obter uma ordem de detenção que fica à discrição do poder após inquérito. Não são cadastrados, mas condenados pela polícia. Na Désirade, em consequência, não se trata de colonizar, mas de corrigir. Daí a orientação disciplinar : serão distinguidos os “arruaceiros” por classes à medida que se “reconhecerá neles mais ou menos emenda” com o envio de “certificados de vida”. Última diferença, explicando desta vez a organização militar : são “contidos” por uma companhia de infantaria encarregada de exercer a vigilância às ordens de um comandante que, se for o caso, os mandará “meter na prisão com ferros nos pés e mãos”.

A conceção do estabelecimento, prisão na prisão, dá e este o aspeto de um campo, não somente pela sua construção (uma prisão propriamente dita em alvenaria, seis choças onde os “arruaceiros” são fechados todas as noites num bairro da ilha chamado Les Galets, muros vegetais servindo de muralha e postos de sentinelas) mas também pelo seu funcionamento : três sargentos inspetores efetuam todas as noites uma chamada, e fazem-no também três majores, “a horas não fixadas” – o que não impede a evasão de quatro detidos supostamente afogados nem a de cinco outros, dos quais dois são “trazidos de volta”. Mas Villejoin, nomeado governador e comandante do campo no local, é o primeiro a denunciar as condições do que ele chama uma “crassa ociosidade” : “A ração não é suficiente na maior parte. […] vários estão três quartos do tempo de pés nus e sem camisa ; muito poucos recebem notícias das suas famílias e ainda menos ajudas.” Obrigadas a “submeterem-se” (pagar a pensão de cativeiro), famílias há que se esquecem de liquidar a mesma. Mas a igualdade de tratamento teórica está longe de ter sido seguida. Os melhor classificados, muitas vezes fidalgos, beneficiaram de favores : comem à mesa do governador ou dos oficias da guarnição, beneficiam por parte deles de empréstimos em dinheiro.

A bordo de corvetas ou paquetes, os “arruaceiros” são embarcados às dúzias com partida em Rochefort, com destino à Martinica e a Basse-Terre em Guadalupe. Em cada etapa (é preciso contar também as que os faz vir de todos os cantos do reino e das prisões de São-Lázaro ou de Bicêtre em Paris), os passageiros são guardados como prisoneiros (média de seis meses na prisão de Rochefort, e até três anos para alguns). São da província (somente dois são parisienses, dois outros são residentes das colónias), denunciados principalmente por “violências” e dívidas (em particular de jogo). A média de idades é de cerca de 25 anos (o mais jovem tem 16 anos, os mais velhos são quarentões). Alguns são da pequena ou média nobreza de vestimenta ou de espada,  outros ainda pertencem a famílias de artesãos e de pequenos comerciantes, outros, enfim, fazem parte da burguesia. Quando o estabelecimento fecha, em 1767, são cerca de quarenta, em vias de partir de Rochefort, por não terem sido deportados (mortos, evadidos, repetentes, “revogados” a pedido das famílias… ou por causa de interrupção dos envios) num total de 139 processos classificados sem continuação ou recusados[4].

Desde o ano de 1765, quando existia há menos de um mês, já não se acreditava no estabelecimento. A correspondência trocada pelas autoridades coloniais e a metrópole, entre os intendentes de províncias e o ministério do Interior e o porto de Rochefort e o Gabinete das Colónias, coloca o acento em pelo menos três pontos: despesa excessiva (tendo em consideração um número também limitado de “residentes”) ; absurdo de um sistema de “recuperação”, fazendo dizer a Villejoin, tornado seu detrator, que os ”arruaceiros” são confundidos com alguns que são referenciados [marcados] como pessoas sem esperança, que têm demasiados vícios de coração […]. Não é de tais pessoas que se poderão extrair sentimentos e, esmagado pela miséria, encontrar-se-á pouquíssimos recursos em casa para voltar ao mesmo » ; indignidade de pais “sobre quem  recai a infelicidade e deixa rasto a culpabilidade dos seus progenitores[5] “ em razão do desinteresse manifestado por eles pela sorte destes. Nos 53 que estão de regresso a Rochefort em pleno inverno (e dos quais um morre durante a travessia), 12 voltam aí a ser prisoneiros até que os seus pais os retirem de lá. Apenas 4 de entre eles são postos de novo em liberdade na primavera, sem resposta das famílias à correspondência em que lhes era pedido que os reclamassem.

Éric Fougère

[1] Ver Éric Fougère, Les Îles malades, Paris, Classiques Garnier, 2018.

[2] Com a diferença de que a monocultura aí é a d algodão, muito menos remunerada do que a cana-de-açúcar.

[3] Estimativa difícil de fazer com exatidão antes dos primeiros recenseamentos.

[4] Ver Bernadette e Philippe Rossignol, « Les “mauvais sujets” de la Désirade », Bulletin de la société d’histoire de la Guadeloupe n° 153 (maio-agosto 2009), p. 92-97.

[5] Éric Fougère, Des indésirables à la Désirade, Matoury, Ibis Rouge, 2008, p. 104.

A deportação política insular em França

Quando Soljenitsin escreve o Arquipélago do Gulag, diz-se que este título é genial, antes de nos interrogarmos porquê. O Gulag dá os seus primeiros passos no arquipélago dos Solovki, porque a colónia penal czarista tinha feito da ilha de Sacalina um lugar de eleição, mas a deportação russa é naturalmente continental, nos antípodas da deportação britânica na Austrália, que não somente associa desde o início todo um imaginário à insularidade, mas que se implanta igualmente na ilha de Norfolk e na Tasmânia, numa lógica de sobreinsularização, cujo equivalente seria o sobre-afastamento dos campos de “reeducação pelo trabalho” na Sibéria. É justamente da Sibéria, bloco arquicontinental, e mais precisamente da Kolimá, que nos chega a explicação do aparente paradoxo de uma representação de campos soviéticos em arquipélago. Nos seus Contos da Kolymá, Varlam Chalamov (“inimigo do povo”, tendo passado dezassete anos nos campos), quase nunca emprega a palavra “continente” para evocar as terras “livres”:

Em Kolimá, as províncias do centro são sempre chamadas de “continente” (…). A ligação por mar, a linha marítima Vladivostok-Magadan, o desembarque sobre rochedos despidos, tudo isso se assemelhava muito aos quadros do passado, de Sacalina. É assim que se considera Vladivostok como uma cidade do continente, se bem que a Kolimá nunca tenha sido qualificada como ilha1.

Portanto os campos apenas seriam um arquipélago a priori, na medida em que a sua geografia vivida, talvez mesmo fantasiada (que se distinguirá da geografia “real”) é de um continente negativo em espelho, ou antes por defeito, concebido para designar por analogia a privação (nomeadamente de liberdade). Esta forma de utilizar o espaço para fins de representação penal ou carcerária, é tudo o que está em causa das deportações francesas ultramarinas.

Falou-se disso no Código Penal de 1810, onde a deportação deve ser feita “fora do território continental (artigo 17). Na ausência do local nomeadamente designado, a deportação continua teórica, tal como se aperceberá no precedente efémero de um projeto de deportação de mendigos reincidentes em Madagáscar, elaborado por um primeiro Código Penal em 1793. Como se a palavra “continental” (explica-se em parte pelo facto de que a França napoleónica ser então um império europeu2) desenhasse em traços gerais a imagem de ilhas às quais se deviam destinar os deportados, virando-se os projetos de deportação seguintes, com bastante lógica, para a ilha de Bourbon (A Reunião,  circo de Salazie), depois  para  Mayotte  (ilhas  de Pamandzi  e  de Dzaoudzi).  Sem  resultado,  a

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deportação continua a ser aplicada no território nacional em cidadela (no Monte-São Michel, em Doullens e mais tarde ainda em Belle-Île).

Historicamente, a França tem toda uma tradição de deportação nas “ilhas”: na Désirade, onde “arruaceiros” denunciados por cartas de prego (NT.-lettres de cachets, no original) são objeto do despacho de 1763 que os retém prisioneiros aí, num campo com paliçada até 17673; nas Seychelles (e mais tarde nas Comores), na sequência de um senatus-consulto de 1801, que regula a sorte dos acusados do atentado da rue de Saint-Nicaise4, na Córsega e na ilha de Caprera (padres hostis a Napoleão), na ilha de Elba (insurretos de São Domingos e de Guadalupe5), por um vaivém da metrópole e das colónias, cuja história da escravatura tem o segredo…

Mas qualquer oposição doutrinária à deportação acrescenta-se à penúria das ilhas em matéria das escolhas de um local. Barbé-Marbois (ele-próprio antigo deportado de Fructidor) e Tocqueville, (autor de Escritos sobre o sistema penitenciário) colocam-se na situação de adversários da deportação, o primeiro porque a mesma é contraditória com a ideia segundo a qual uma pena deve estar próxima do local do crime6,  e  o segundo porque é partidário de uma reforma penitenciária em que o modelo é o encarceramento celular e não a deportação. A viragem resulta de um duplo acontecimento político: insurreições de junho de 1848 e golpe de Estado de Luís-Napoleão Bonaparte.

O que faz reagir de forma urgente é não apenas o número, inédito desde a Revolução, dos que devem ser julgados, mas também a supressão da pena de morte (artigo 5 da Constituição de 1848) para crime político. Após a lei de 24 de janeiro de 1850, que os deporta para o campo-prisional de Lambessa (Argélia), depois na Guiana (ilhéu La Mère e Ilha do Diabo), a de 8 de junho do mesmo ano escolhe as ilhas Marquesas instaurando dois graus de deportação: “simples” (já incluída no Código Penal), agravada (dita “em recinto fortificado”).

A novidade (prefigurada pelos projetos de deportação para a ilha de Bourbon, depois Mayotte), é a introdução de uma detenção na deportação, de acordo com o conceito de “recinto fortificado”, derivado do de “cidadela”. Assim, não contente por correlacionar o local da pena de modo a conferir todo o afastamento possível ao exílio, o dispositivo associa o encarceramento. O que leva Vítor Hugo a dizer, aquando dos debates legislativos (abril de 1850): “Combina-se o clima, o exílio e a prisão: o clima dá a sua malignidade, o exílio o seu desânimo, a prisão o seu desespero; em vez de um carrasco, temos três. A pena de morte foi substituída? (…)  digam connosco: a pena de morte foi restabelecida.”

É perante um número ainda maior de condenados, resultante dos acontecimentos da Comuna de 1870, que bastará, nos termos da lei de 23 de março de 1872, substituir a ilha dos Pinheiros em Nuku Hiva (deportação simples) e a península de Ducos no vale de Vaitahu (deportação dita em recinto fortificado), para transferir, tal como na Nova Caledónia, o princípio de uma insularidade penal (espaço abstrato caraterizado pelos confins) duplicado por uma insularidade carcerária enquanto local concreto de confinamento7.

Éric Fougère

[1] V. Chalamov, Récits de la Kolyma, Lagrasse, Éditions Verdier, 2003, p. 900.

2 Mas o desterro previsto pelo Código Penal (artigo 8.º) é cumprido “fora do território do império” (artigo 32.º).

3 Ver Éric Fougère, Des Indésirables à la Désirade, Matoury (Guiana), Ibis Rouge Éditions, 2008 e Bernardette e Philippe Rossignol, « Les mauvais sujets de la Désirade », Bulletin de la Société d’histoire de la Guadeloupe nº 153 (maio-agosto 2009)

4 Ver Jean Destrem, Les Déportations du Consulat de l’Empire, Paris, Jeanmaire, 1885

5 Ver Yves Benot, La Démence coloniale sous Napoléon, Paris, La Découverte, 1991.

6 « (…) afastar para distâncias imensas, é fazer perder de vista a lembrança do crime, enquanto se perde de vista o criminoso”. François de Barbé-Marbois, Observations sur les votes de quarante e un conseils généraux de départements, concernant la déportation des forçats libérés, Paris, Imprimerie Royale, 1828, p.61

7 Ver Eric Fougère, Île-prison, bagne et déportation, Paris, L’Harmattan, 2022

Nas origens do degredo e da deportação modernos: o exílio insular na Antiguidade romana

O concurso histórico aportado pelas ilhas às prisões remonta à Antiguidade romana: Os Romanos distinguiam relegatio ad insulam et deportatio ad insulam(1). Para além do conteúdo propriamente jurídico (a deportatio, que fazia perder ao condenado os seus direitos cívicos e a propriedade dos bens do seu património, era uma pena em teoria perpétua e decretada pelo imperador, diferentemente da relagatio, que o era por um governador e não apresentava o mesmo rigor, vêem-se articular duas noções que as legislações retomarão quando se tratar de direito penal e das ilhas; mobilidade no afastamento (relegatio ad), imobilidade no encerramento (deportatio in). A esse respeito, observa-se uma graduação das penas: degredo temporário ou perpétuo (fora de uma cidade ou de uma província), degredo numa ilha, deportação numa ilha, pena de morte (2).Existem também três tipos de exílio: interdição de locais específicos (em particular de Roma), exclusão de qualquer outro espaço diferente do lugar especialmente designado, confinamento numa ilha (não se precisando qual antes da sentença).

Podia-se degredar, ou mesmo deportar, não importa para onde, contanto que seja longe, como o mostra o exemplo de Ovídio em Pont-Euxin (Mar Negro). A pena insular não é menos praticada de facto, também ela marcada pela distância, com a deportação, para o arquipélago de Kerkennah (Tunísia), de Sepronius Gracchus, amante de Júlia, filha de Augusto igualmente degredada pelo seu pai para Pandataria (Ventotene), no arquipélago de Pontinas (onde a sua mãe foi ao seu encontro), antes de morrer em Régio di Calábria cinco anos mais tarde, em 14 após Jesus Cristo, aproximadamente. Tibério mandou exilar a filha de Júlia, tal como outras mulheres da família imperial; Otávia, esposa de Nero, Flávia Domitila, esposa de um rival de Domiciano,  Orestila, esposa de Calígula, Júlia Livila, Agripina, a Jovem (filhas de Germânico), exiladas na ilha de Ponza, Júlia Vipsânia, no arquipélago das Tremiti. Todas (exceto Flávia Domitila), por casos de costumes (adultério, aborto, deboche, sacrilégio), mas sem dúvida também pelas mesmas razões, políticas, explicando o envio, para Capri, de Lucília, irmã de Cómodo, e de Crispina, sua esposa, acusadas de conjura contra o imperador, ou de Séneca na Córsega por motivo de adultério com Júlia Livila, mas vítima também de intrigas no círculo de Cláudio(3).  Em  417,  em Lipari  

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(1) Ver Vincent Jolivet, “O exílio nas ilhas na Antiguidade romana”, in Brigitte Marin dir., “Les Petites Îles de Méditérranée occidentale”, Marselha, Edições Gaussen, 2021, p. 172-175.

(2) Ver Yann Rivière, “L’interdictio acqua et igni e a deportatio sob o Alto-Império romano in Philippe Blaudeau dir., Exil et relégation, les tribulations du sage et du saint durant l’Antiquité romaine et chrétienne (Ier – VIe après J- C), Paris, De Boccard, 2008, e, do mesmo autor, «La relégation et le retour des relégués dans l’Empire romain (Ier -IIIe) in Claudia Moatti, Wolfgang Kaiser, Christophe Pébarthe, dir., Le monde de l’itinérance en Mediterrannée de la Antiquités à l’Époque Moderne, Bordeaux-Pessac, Ausonius Éditions, 2009, p. 535-570.

(3) Ver Roselyne Immongault Nomewa, « Les éxilés romaines et l’espace répulsif dans l’empire romain : l’apport des sources littéraires latines », CHA, 2014, online em https://www.academia.edu

(grupo das Eólias onde a esposa de Caracala Plautila, tinha estado exilada e foi depois assassinada) foi exilado o primeiro imperador romano do Ocidente, acusado de usurpação, Prisco Átalo. O último imperador, na pessoa de Rómulo Augusto, foi enviado por Odoacro para Nisida, frente a Nápoles.

Por Tácito (Anais), e por Suetónio (Vida dos doze Césares), entre outros, sabe-se que uso Tibério fez das Espórades, (ilha de Cínaros) e sobretudo das Cíclades enquanto lugar de exílio: em Serifos (para onde foram expedidos Cássio Severo, opositor político, e Vistília, matrona acusada de se prostituir), Citnos (para onde foram degredados Júnio Silano, procônsul acusado de malversação), Lesbos (para Júnio Gálio, porque tinha proposto uma mudança de etiqueta que não respeitava a precedência), Amorgos (para onde foi deportado o procônsul Víbio Sereno), Andros (Flaco, prefeito do Egito), mas também Gyaros e Donoussa, que pareciam ter sido reservadas para os desterros mais severos(4) e cuja historiografia não reteve grande coisa devido a três fatores em que o primeiro está ligado à estratégia do esquecimento que preside ao desterro (quando os deportados não são suprimidos de uma maneira ou de outra – assassinato, miséria… – no fim do seu exílio insular). Uma outra explicação advém do facto de a dita estratégia, salvo exceção (nomeadamente a, em 19 D.C., de qualquer coisa como quatro mil libertos deportados para a Sardenha por causa das suas “superstições egípcias e judaicas” e que foram encarregues de lá reprimir o banditismo) abrangeu sobretudo pessoas isoladas de quem os historiadores só falaram (terceira explicação) quando estas pessoas tinham um título qualquer de notoriedade.

Se a sorte de cada um dos condenados romanos tomados separadamente não tem nada, para eles, de anedótico, está-se apesar de tudo perante a constatação de uma disparidade de experiências insulares que não se podem reduzir a qualquer ensaio de globalização. O que há de comum, por exemplo, entre a vida de João o Evangelista em Patmos e a do degredo de Agripa Póstumo, neto de Augusto, na ilha de Pianosa? O que há de comum entre ilhas, na maioria muito pequenas, onde era suposto tudo faltar (Cínaro, Serifo, Gyaros…) e outras onde os romanos ricos tinham construído casas de vilegiatura (em Capri, Pandatera, Nisida…)?  No  entanto fica esta última constatação: os romanos parecem ter inventado (mesmo se se pudesse encontrar esboços disso na época helénica) o espaço-ideia das ilhas-prisão, cuja utilização, ainda empírica, é ao mesmo tempo já sistemática.

Éric Fougère

(4) Ver Étienne Wolf, «Ambivalencedes îles dans la culture romaine : l’exemple de la vie de Tibère », Bulletin de l’Association Guillaume Budé, 2008, 1, p. 139-145.

(5) Ver Patrice Brun, Les Archipels Egeus na Antiguidade grega (V-II século antes da nossa era) Annales littéraires de l’Université de Besançon, Institut de Science et techniques de l’Antiquité, Centre de Recherches de l’Antiquité, Centre recherches d’ Histoire  ancienne, vol. 157 (1996), p. 23.