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Etiqueta: Kenneth White

Geopoética

Partindo da etimologia da palavra geopoética, observa-se que a sua formação incorpora o prefixo de composição grego geo- que significa relação com a terra e a palavra de origem grega poíesis que posteriormente derivou para a palavra latina poesis, remetendo para a ideia de criação. Agregando esta natureza dupla e integrativa às suas experiências erráticas “à la recherche de l´espace perdu”1, Kenneth White (1936-2023)2, em 1979, começou a delinear os contornos da geopoética, conforme atestam as suas palavras: “C´est donc dans la base de mes propres expériences, mais aussi à partir d´une lecture de l´histoire et sur un examen de ces trajectoires ‘erratiques’ que je viens d´évoquer, que j´ai commencé à dessiner les contours du grand champ géopoétique” (White, 2008, 25). Questionando-se acerca da possibilidade de conciliar duas entidades aparentemente tão distantes uma da outra e paradoxais, White agregou poesia e geografia numa unidade superior ainda por revelar, esclarecendo: “Poetry, geography – and a higher unity: geopoetics…” (White, 1992, 174) – uma grande unidade que, interage, simultaneamente, com uma perspetiva cósmica, mas vivendo na terra, afirmando: “Living on the earth, with a cosmic sense, but living on the earth. (…). I don’t think we know it yet. I think if we evolved a bit more, we’d know better, we’d love better. It’s that evolution that interest me. Towards a finer earth-living” (White, 1992, 167).

Constituindo-se como uma grande unidade que congrega poesia e geografia (do grego “escrita da terra” ou “descrição da terra”), White deparou-se com questões linguísticas para contemplar o que identificava como sendo “(…) the biocosmographic way from the conditioned self to open system, exstatic existence (…)” (White, 1992, 169). Na sua trajetória, White procurou encontrar “(…) live words with which to proclaim ‘the integrity of existence’ is not easy either. (…) At every turn, we come up against problems of language. Practically everything, in ‘our’ age, is against the possibility of a clear and powerful language, able to say a presence and a transparency” (White, 1992, 169-170). Embora White parta da interação entre poesia e geografia, a geopoética não se resume apenas àquele encontro, afirmando: La géopoétique n´est donc pas une rencontre sympathique entre littérature et science dans un cadre humaniste. Ce n´est pas plus un jumelage de disciplines, à l´instar, par exemple, de l´alliance, de l´alliage entre la géographie et l´hydrologie qui donne l´hydrodynamique marine. C´est encore moins une synthèse dialectique hégélienne. Élaborant une pensée, une vision, une expression concernant le rapport entre l´être humain et la terre, la géopoétique et sui generis. (White, 2008, 16).

No contexto errático referido por White, está implícita a ideia de “superintellectual nomads” (White, 1992, 175) que, por sua vez, estabelece ligações com a ideia de movimento espacial e intelectual. Presente nas ciências humanas e sociais, a ideia de movimento espacial propõe reconsiderar a concretização teórica e prática dos problemas espaciais, onde o espaço já não é concebido como absoluto, mas sim como relativo. A relativização espacial imprime um novo elemento à ideia de geopoética que se apresenta como uma teoria prática transdisciplinar aplicável a todos os domínios da vida e da pesquisa, proporcionado o restabelecimento e o enriquecimento da relação Homem-Terra desde há muito interrompida, provocando graves consequências a nível ecológico, psicológico e intelectual. Neste sentido, a geopoética permite desenvolver novas perspetivas existenciais num mundo reimplantado onde o espaço aberto para a experimentação permite romper com entendimentos magistrais do conhecimento e contrariar uma narrativa unívoca e universal do mundo. Por outro lado, a geopoética permite ainda que o pensamento se estabeleça numa relação direta com a Terra e o território, em vez de ser representado por uma relação mediada entre o sujeito (cognoscente) e o objeto (conhecido), produzindo-se, simultaneamente, o deslocamento de um paradigma epistemológico para um paradigma geo-poético. Empreendendo viagens físicas e pelos territórios do pensamento, White constrói um longo itinerário onde o cruzamento de culturas proporciona novas formas de pensar e de dizer na tentativa de encontrar e expressar uma relação direta e imediata com a Terra, como afirma: “Depuis de longues années maintenant, j’essaie de réunir les éléments d’une poétique forte et fertile, ouverte et fondatrice. En essayant de repérer des foyers d’énergie tout au long de l’histoire culturelle, en puisant partout dans la ‘poétique du monde’ et en voyageant sur le terrain, de territoire en territoire” (White, 1994, 26). A finalidade das suas peregrinações é poder expressar, de forma direta, a ideia de sensação-pensamento nascida da reconciliação com os grandes ritmos naturais. Deslocando-se de lugar em lugar e vivenciando novas culturas White pretende alcançar um modelo onde o pensamento e a Terra se encontram em completude. Esta dupla viagem conduz a um pensamento poético que, sob o nome de geopoética, transcende a rutura bimilenária entre pensamento e mundo exterior, uma vez que “(…) au-delà de tous les concepts il s´agit du monde, d´un effort pour renouveler notre vision, en dehors des interprétations établis” (White, 1982, 19).

Induzindo à pluralidade de vozes na exploração de diferentes teorias procedentes de diversos lugares geográficos, disciplinares e culturais, e à valorização da relação homem-Terra em espaços não absolutos fecundados, por sua vez, pela ideia de errância e nomadismo intelectual, a geopoética acomoda e estabelece o princípio que Kenneth White advoga: “Disons, avec un rire cosmique, que le troisième millénaire sera nomade et geopoétique ou ne sera pas” (Apresentação do Editor, 2014, s/p.).

[1] “À la Recherche de L´espace Perdu”. Le Nouveau Territoire. L´Exploration Géopoétique de L´espace. 2008, 11-27.


[2] Poeta e ensaísta escocês, titular da cadeira do curso Poética do século XX na Universidade Paris-Sorbonne fundou, em 1989, o Instituto Internacional de Géopoétique, o qual presidiu até 2013.

Susana L. M. Antunes

Bibliografia

Bouvet, Rachel; White, Kenneth. “À la Recherche de L´espace Perdu”. Le nouveau territoire :
l´exploration géopoétique de l´espace
. Collection «Figura», nº 18. Université du Québec: Montréal, 2008, 11-27.
Hashas, Mohammed. Intercultural geopoetics in Kenneth White’s open world. Newcastle upon Tyne, England: Cambridge Scholars Publishing, 2017.
Craig, Cairns, ed. Underground to Otherground. Vol. 1. Edinburg: University Press, 2021.
______________. The Collected Works of Kenneth White. Mappings: Landscape, Mindscape,
Wordscape
. Vol. 2. Edinburg : University Press, 2021.
Institut International de Géopoétique: https://www.institut-geopoetique.org/fr/
White, Kenneth. La Figure du Dehors. Grasset: Paris, 1982.
____________. “Elements of geopoetics”. Edinburg Review 88. 1992, 163-181.
____________. Le Plateau de l’Albatros. Grasset: Paris, 1994.
____________. Investigations dans l´espace nomade. Notes sur l´art et la pensée nomades. Isolato: Paris, 2014.