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Categoria: Política e Administração

Vulnerabilidade e Resiliência da Ilha

A vulnerabilidade e a resiliência são conceitos nebulosos e contestados. Os Estudos Insulares têm contribuído bastante para os compreender, ordenar as diferenças e propor caminhos a seguir. Dois pontos-chave são: que (i) a vulnerabilidade e a resiliência não são opostas, e que (ii) são processos, não estados.

A vulnerabilidade e a resiliência são construções sociais. Muitas línguas não têm traduções diretas para as palavras e muitas culturas não têm os conceitos, especialmente tal como definidos e debatidos no meio académico. Como tal, ambos os conceitos devem ser explicados em pormenor para serem comunicados e aplicados. Os estudos insulares contribuem significativamente ao observar que ambos existem simultaneamente, articulando-se um com o outro, e que ambos devem emergir de pessoas e sociedades que interagem entre si e com os seus ambientes. São também muito mais do que interação, uma vez que a natureza e a cultura não podem ser separadas, como é o caso da sociedade e do ambiente. Assim, a vulnerabilidade e a resiliência são simplesmente parte do ser, e não entidades ou atributos distintos.

Como tal, exprimem e abraçam razões para acabar com situações e circunstâncias em que lidar com oportunidades e adversidades é mais ou menos possível. São processos a longo prazo que descrevem os motivos da existência de estados observados, e não meras descrições desses estados. Estas explicações devem abranger a sociedade e o ambiente, entrelaçando-se em vez de se desligarem uns dos outros, e devem envolver histórias e futuros potenciais, e não meros instantâneos no espaço e no tempo.

Para as ilhas, os fenómenos e mudanças ambientais são frequentemente vistos como expondo ou criando vulnerabilidades e resiliências. No entanto, um terramoto ou as alterações climáticas não dizem às pessoas e às sociedades como reagir. Em vez disso, aqueles que têm poder, oportunidades e recursos tomam decisões sobre aspetos de governação a longo prazo, incluindo igualdade, equidade, apoio coletivo e serviços sociais.

Sabemos como construir infraestruturas para resistir a terramotos. Esta tarefa não pode acontecer de um dia para o outro, mas requer códigos de construção, regulamentos de planeamento, profissões qualificadas e escolhas para ser bem-sucedida. Tomando os exemplos das ilhas, os líderes dentro e fora do Haiti que controlaram o país ao longo de décadas, decidiram não construir para os terramotos, levando a catástrofes devastadoras em 2010 e 2021. Entretanto, o Japão adotou uma abordagem diferente, o que significa que, apesar dos terramotos de 2003, 2011 (que tiveram um terrível número de tsunamis) e 2022, que foram muito mais fortes do que os do Haiti, registaram-se poucos desmoronamentos.

Este processo a longo prazo de parar ou permitir danos relacionados com sismos é uma escolha da sociedade, o que significa que as catástrofes emergem da escolha de processos de vulnerabilidade e resiliência. As catástrofes não provêm de terramotos ou outros fenómenos ambientais, pelo que não são da natureza e “catástrofe natural” é um termo errado.

Uma vez que as alterações climáticas afetam o clima e o clima não causa catástrofes, as alterações climáticas não afetam frequentemente as catástrofes. Por exemplo, as ilhas têm sofrido ciclones tropicais durante milénios, com a época das tempestades a acontecer anualmente. Há muito conhecimento para evitar danos e muito tempo tem havido para implementar este conhecimento, no entanto, ainda se assiste frequentemente a catástrofes como o Furacão Maria nas Caraíbas em 2017 e o Ciclone Harold no Pacífico em 2020. Quando as pessoas e as infraestruturas não estão preparadas para uma tempestade, então ocorrem desastres. As alterações climáticas aumentam a intensidade e diminuem a frequência dos ciclones tropicais, mas não têm impacto nas escolhas humanas a longo prazo para se prepararem (criando resiliência) ou não (criando vulnerabilidade). A escolha de não o fazer é uma crise de escolha humana, não uma “crise climática” ou “emergência climática” – por isso estas expressões também estão mal construídas.

Os estudos insulares há muito que ensinam ao mantra ilhéu que as mudanças ambientais e sociais são sempre de esperar em todas as escalas de tempo e espaço. A vulnerabilidade torna-se o processo social de esperar que a vida seja constante e de não estar preparado para lidar com ambientes diferentes ou alterantes, em escalas de tempo curtas (por exemplo, terramotos) ou longas (por exemplo, alterações climáticas). As vulnerabilidades surgem mais frequentemente porque as pessoas não têm opções, poder ou recursos para alterar a sua situação devido a fatores como a pobreza, a opressão e a marginalização. Outros tomam a decisão de que a maioria seja vulnerável. A resiliência torna-se o processo de contínuo ajustamento e flexibilidade, para aproveitar ao máximo o que o ambiente e a sociedade em constante mudança podem oferecer para apoiar a vida e a subsistência de todos. Para o fazer, são necessárias opções, poder e recursos.

No entanto, os estudos insulares demonstram que os limites à resiliência são, apesar de tudo, evidentes. A história humana mostra uma longa lista de comunidades insulares a serem dizimadas e ilhas inteiras a serem forçadas ao abandono. A Ilha de Manam, na Papua Nova Guiné, foi evacuada algumas vezes devido a erupções vulcânicas. Muitas comunidades insulares do Pacífico desapareceram no século XIV devido a uma importante alteração climática e do nível do mar na região, enquanto os testes nucleares durante a Guerra Fria deixaram muitos atóis inabitáveis. O povo indígena Beothuk da Terra Nova morreu devido a um colonialismo violento e assolado por doenças. Nas décadas de 1960 e 1970, os ilhéus de Chagos foram forçados a abandonar o seu arquipélago do Oceano Índico para darem lugar a uma base militar. Todas estas situações testam a resiliência – ou perdem-na por completo.

Os estudos das ilhas demonstram assim a construção da vulnerabilidade e da resiliência como conceitos, como processos e como realidades, ilustrando o cuidado na interpretação e aplicação necessária para ambos, a fim de captar um quadro abrangente. A vulnerabilidade e a resiliência não se contradizem nem se opõem, antes se sobrepõem e transformam de acordo com o contexto e os detalhes. A vulnerabilidade e a resiliência das ilhas baseiam-se muito nas perspetivas daqueles que observam e são afetados.

Ilan Kelman

Planeamento Hidráulico

“O mundo está repleto de ilhas” (Baldacchino, 2006, p.4). Não será de estranhar que, ao longo das últimas décadas, se tenha verificado um aumento do interesse pelos estudos insulares, atraindo investigadores de diversas áreas disciplinares que, em conjunto, têm sido capazes de promover esta “nova” linha de investigação, desenvolvendo-se, assim, a designada “ciência das ilhas”.
A ciência das ilhas, embora jovem, tem revelado grande relevância nos estudos internacionais, como é demonstrado pelo título editorial da revista Tijdschrift voor Economische en Sociale Geografie: “A chegada da Era dos estudos insulares” (Baldacchino, 2004), proclamando, deste modo, a “maturidade” dos estudos insulares (King, 2010).
Para Young, a ilha é um lugar de segredo e mistério, mas o seu isolamento também condiciona a sua evolução histórica (Young, 1999, p. 2). Neste sentido, a especificidade insular pode estar em correlação com a questão hidráulica? Esta entrada pretende, por isso, dar a conhecer as principais tendências da Hidráulica ao nível da investigação. Nesse sentido, e no que diz respeito aos territórios insulares, o artigo de Paulo Espinosa e Fernanda Cravidão, na “Revista Sociedade & Natureza”, com o título “A Ciência das Ilhas e os Estudos Insulares: Breves reflexões sobre o contributo da Geografia / The Cience of islands and the insular studies: brief point of view about the importance of geography, contem um conjunto de temas a estudar e sobre os quais se deve refletir.
Todas as terras emersas, de maior ou menor dimensão, estão rodeadas por oceanos, pelo que as ilhas ocupam, inevitavelmente, um lugar de extrema importância na vida mundial (Biagini; Hoyle, 1999, p. 1). Há factos que traduzem, de uma forma sintética, o real valor das ilhas a nível mundial, embora os mesmos sejam frequentemente ignorados pela maioria dos investigadores. Segundo Baldacchino (2007), perto de 10% da população mundial, quase 600 milhões de pessoas, vivem atualmente em ilhas, ocupando cerca de 7% da superfície da Terra. Aproximadamente um quarto dos Estados independentes do mundo são ilhas ou arquipélagos. Para além disso, as ilhas assumem-se como identidades e espaços diferenciados num mundo cada vez mais homogéneo, em resultado do processo de globalização.
Apesar do seu valor, os pequenos espaços insulares encontram-se, frequentemente, associados a um conjunto de constrangimentos estruturais, uma vez que “em consequência da sua escala, as pequenas ilhas são limitadas em tamanho, em área de terra, em recursos, em potencial económico e populacional, e poder político (Royle, 2001, p. 42). Assim, não surpreende que da totalidade de países soberanos não inteiramente insulares, somente dois apresentam a sua capital numa ilha, sendo estes a Dinamarca e a Guiné Equatorial, traduzindo uma preferência político-funcional pelas áreas continentais em detrimento dos territórios exclusivamente rodeados por água.

Deste modo, são muitas as dificuldades e potencialidades que podemos encontrar nas ilhas. Por isso, estes espaços possuem uma enorme riqueza ao nível do estudo científico. Lockard & Drakakis-Smith (1997) referem que os temas das ilhas que mais tem atraído a atração dos investigadores inclui, para além da atividade turística, a emigração e migração de retorno, transportes e acessibilidade, recursos limitados, como a água, e políticas de desenvolvimento económico.
Assim sendo, a água foi, desde sempre, um fator essencial no estabelecimento de vida, em geral, e do Homem, em particular. A importância deste líquido fez com que ao longo de milénios fosse verificada uma evolução nas técnicas de transporte para consumo humano (Baptista, 2011).
Apesar desta evolução, verificada ao longo dos anos de existência da raça humana, foi numa história mais recente, principalmente no século XX, que se verificaram os grandes progressos nos sistemas de fornecimento de água, devido à necessidade de responder ao aumento demográfico verificado em todo o globo e ao surgimento de novos materiais, como por exemplo, os polímeros. Também ao nível do projeto notou-se uma grande evolução, devida à descoberta de novas leis hidráulicas, que permitem otimizar as condições de abastecimento (Baptista, 2011).
Na maioria dos casos atuais, os edifícios são alimentados através de uma rede pública que transporta água potável. Existem, no entanto, situações em que o abastecimento predial se faz com recurso a poços. Nestes casos, é necessário proceder de forma a garantir a potabilidade da água (Baptista, 2011).
Na execução deste tipo de projeto são tidos em conta fatores essenciais, como a economia, as condições de aplicação e de utilização, as necessidades de traçado e, também, a constituição química de cada material, tendo sempre em conta a legislação que rege este tipo de sistemas. É com base na otimização dos referidos fatores que são construídas as redes de abastecimento de águas (APA, 2018).
O planeamento das águas visa fundamentar e orientar a proteção e a gestão das águas e a compatibilização das suas utilizações com as suas disponibilidades de forma a (APA, 2018):

  1. Garantir a sua utilização sustentável, assegurando a satisfação das necessidades das gerações atuais sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades;
  2. Proporcionar critérios de afetação aos vários tipos de usos pretendidos, tendo em conta o valor económico de cada um deles, bem como assegurar a harmonização da gestão das águas com o desenvolvimento regional e as políticas sectoriais, os direitos individuais e os interesses locais;
  3. Fixar as normas de qualidade ambiental e os critérios relativos ao estado das águas.
    Pelo que ficou descrito, posso afirmar que não faltam razões para estudar esta questão em contexto insular. Independentemente da perspetiva utilizada, a investigação sobre as ilhas revela uma grande amplitude temática, dado que podem ser analisados de diferentes ângulos, podendo a disciplina da Hidráulica contribuir para o estudo das “ciências das ilhas”, em particular no que ao planeamento hidráulico diz respeito.

Sérgio Lousada

References

APA. (2018). Políticas, Água, Planeamento. Obtido de Agência Portuguesa do Ambiente: https://www.apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=7&sub2ref=9#

Baptista, F. P. (2011). Sistemas Prediais de Distribuição de Água Fria. Lisboa: IST. Obtido de https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/downloadFile/395142730852/Tese.pdf

Baldacchino, G. (2004). The Coming of Age of Island Studies. Tijdschrift voor Economische en Sociale Geographie. V. 95, n. 3, pp. 272-283. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-9663.2004.00307.x

Baldacchino, G. (2006). Extreme Tourism: Lessons from the world cold water. Oxford: Elsevier, p. 4.
Baldacchino, G. (2007). Introducing a world of islands. In: Baldacchino, G. (Ed.). A World of Islands. Charlottetown: University of Prince Edward Island, Institute of Island Studies, p. 1-29.
Biagini, E. & Hoyle, B. (1999). Insularity and Development on an Oceanic Planet. In: Biagini, E. & Hoyle, B. (Eds.). Insularity and Development: international perspectives on islands. London: Pinter, p. 1.
King, R. (2010). A geografia, as ilhas e as migrações numa era de mobilidade global. In: Fosnseca, M. L. (Ed). Actas da Conferência Internacional – Aproximando Mundos Emigração e Imigração em Espaços Insulares. Lisboa: Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, p. 27-62.

Lockhart, D. & Drakakis-Smith, D. (1997). Island Tourism: Trends and Perspectives. London: Mansell, 320 p.

Royle, S. (2001). A Geography of Islands: Small Island Insularity. London: Routledge, p. 42.

Young, L. B. (1999). Islands: Portraits of Miniature Worlds. New York: W. H. Freeman and Company, p. 2.