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Personalização

Sociedades pequenas, muitas vezes insulares, têm sido descritas como sujeitas a uma personalização extensiva: o significado é que a sua vida social, económica e política pode ser fortemente impactada e guiada por decisões tomadas por e para pessoas que se conhecem umas às outras.

Sociólogos clássicos, desde Comte, Durkheim, Tönnies e Weber, assumiram que a marcha rumo à modernidade era universal, imparável e de sentido único: as práticas de sociedades rurais e tradicionais eventualmente dariam lugar a um comportamento mais científico, racional e laico; e que os critérios “atribuídos” que regiam o estatuto e a posição social em tais sociedades – questões como linhagem, família, tribo ou raça – seriam gradualmente substituídos por critérios “alcançados” – como mérito, qualificação e experiência (por exemplo, Foner, 1979). Este movimento aconteceu com a marcha inexorável da urbanização, institucionalização e globalização. No entanto, a transição foi complexa: o nepotismo ainda existe e é regularmente exposto em escândalos. Enquanto que, noutros casos, o impulso para a modernidade até foi revertido: sociedades pequenas e “face-a-face” persistem; e há vários “refugiados do estilo de vida” que estão dispostos e são capazes de abandonar a metrópole anónima e a sua “multidão solitária” (Reisman et al., 1961) e, em vez disso, se voltam a estabelecer em pequenas comunidades insulares onde as crianças podem crescer em segurança, rodeadas por família e vizinhos que se importam em conhecer-se e em cuidar uns dos outros (Baldacchino & Starc, 2021).

Quando David Weale, da Ilha Prince Edward, no Canadá (população: 150.000) fala sobre crescer “num espartilho de vigilância comunitária” (Weale, 1992, p. 9), ele refere-se tanto ao conforto e proteção oferecidos por este regime de segurança orgânico; bem como à sua presença opressiva.

A “hiperpersonalização” é especialmente ativa em jurisdições pequenas (Veenendaal, 2014), onde “toda a gente conhece toda a gente” (Corbett, 2015), as camadas de governo são finas e locais, onde o estado é macio e transparente, e os tomadores de decisão são conhecidos e não conseguem esconder-se na sombra dos quadros políticos ou burocráticos, para o melhor ou para o pior.

Corbett & Veenendaal (2017, p. 31) propõem seis dimensões de personalização na esfera política: (1) uma forte conexão entre líderes individuais e eleitores; (2) uma esfera privada limitada; (3) um papel limitado para a ideologia e o debate de políticas programáticas; (4) uma forte polarização política; (5) a ubiquidade do clientelismo; e (6) a capacidade de líderes individuais em dominar todos os aspetos da vida pública. Essas dimensões são significativas em sistemas políticos pequenos (muitas vezes ilhas) e onde os atores políticos e os seus eleitorados podem e procuram encontrar-se e desenvolver relacionamentos pessoais. Esse comportamento é tornado mais possível e plausível quando o número de votos necessários para eleger um político é baixo. A personalização também pode explicar a alta taxa de votação em jurisdições pequenas, onde não é necessário incentivar o voto multando aqueles que não votam: em tais locais, os cidadãos individuais não se podem dar ao luxo de não votar (Hirczy, 1995).

Nas esferas social e económica, a personalização também é impulsionada pela robustez e resiliência de redes familiares, de parentesco e de amizade. As conexões enredam-se em obrigações que são difíceis de descartar; e será difícil resistir à expetativa de colocar a “família em primeiro lugar”, com consequências graves. Os locais de trabalho, em particular, serão ocupados por trabalhadores que se relacionam entre si, terão simpatias ou antipatias entre si, que fazem parte de uma rede de “velhos amigos” ou “velhas amigas”… e essas dinâmicas informais nem sempre serão evidentes para os seus superiores, para desespero e frustração destes (Baldacchino, 1997).

A personalização enfrenta, manipula e infeta a prática de instituições que, por definição, devem ser justas sendo anónimas. As instituições devem trabalhar com princípios de legalidade e racionalidade, onde aqueles que executam tarefas são recrutados e nomeados com base em parâmetros contratuais, garantidos e/ou credenciados. Mas isso nem sempre acontece, embora possam ser tomadas medidas extremas para manter a pretensão. Um problema surge quando, por exemplo, é necessário contratar uma pessoa com um conjunto específico de habilitações, mas espera-se que essa pessoa “cumpra as etapas” que a instituição exige em termos de processo de contratação: por exemplo, envio de candidatura, seleção, entrevista, preenchimento de documentação, exames médicos, etc. – para poder ser recrutada.

Godfrey Baldacchino

Referências

Baldacchino, G. (1997). Global tourism and informal labour relations; The small-scale syndrome at work. London: Mansell.

Baldacchino, G., & Starc, N. (2021). The virtues of insularity: Pondering a new chapter in the historical geography of islands. Geography Compass, 15(12), e12596.

Corbett, J. (2015). “Everybody knows everybody”: Practising politics in the Pacific Islands. Democratization, 22(1), 51-72.

Corbett, J. & Veenendaal, W. (2017). The personalisation of democratic leadership? Evidence from small states. Social Alternatives, 36(3), 31-36.

Foner, A. (1979). Ascribed and achieved bases of stratification. Annual Review of Sociology5(1), 219-242.

Hirczy, W. (1995). Explaining near‐universal turnout: The case of Malta. European Journal of Political Research27(2), 255-272.

Riesman, D., Glazer, N., & Denney, R. (1961). The lonely crowd: A study of the changing American character. New Haven CT: Yale University Press.

Veenendaal, W. (2014). Politics and democracy in microstates. London: Routledge.

Weale, D. (1992). Them times. Charlottetown, Canada: Acorn Press.