A intimidade foi proposta como uma das quatro dimensões-chave da vida nas pequenas ilhas (juntamente com o monopólio, a totalidade e a saída) (Baldacchino, 1997). Representa o resultado de um contexto social restrito, no qual os indivíduos tendem a conhecer-se uns aos outros em múltiplos papéis e contextos, e a interagir uns com os outros em vários desses papéis e contextos durante um período de tempo considerável.
Os mesmos indivíduos são postos em contacto repetidamente em várias atividades e circunstâncias. “Diferentes tipos de grupos primários tendem a coincidir ou a sobrepor-se em grande medida”. (Firth, 1951, pg. 47). Os relacionamentos são o que Gluckman (1955, pgs. 18-19) chama de “multiplex”, no sentido em que “quase todas as relações sociais servem muitos interesses”. Parsons (1951) caraterizou tais relações de papéis como “particularistas” porque são de grande carga afetiva e emocional, em vez de “universalistas”, as quais se baseiam em normas e protocolos estabelecidos que se aplicam a todos os níveis e não são afetadas por (ou não são sensíveis a) personalidades específicas. Existem atitudes de forte carga positiva ou negativa entre os indivíduos envolvidos em tais relações. Também se prolongam por um período de tempo considerável. Tais relações são pessoais, e são geralmente baseadas em critérios ascritivos (tais como família, genealogia), por oposição a relações impessoais, baseadas em critérios alcançados (tais como certificação, mérito).
Sociedades deste tipo são caraterizadas pelo que Durkheim (1893) chamou de “solidariedade mecânica.” Na sociedade à pequena escala que se encontra na maioria das pequenas ilhas, todo o campo social é pequeno, e a maioria das relações tende a ser pessoal. Os padrões de avaliação do papel dependem de quem é o indivíduo e não do que ele faz, ou da experiência que as suas qualificações formais lhe conferem. Por exemplo, nos negócios, profissões e governo, são as ligações familiares e as amizades que podem predeterminar atitudes positivas ou negativas; simpatias ou antipatias. A interação social não é assim necessariamente regulada por considerações jurídico-racionais, incluindo desempenhos claros e evidentes de funções como assistentes de loja, médicos e empregados de escritório. Os papéis ocupacionais tornam-se difusos e confusos quando têm de ser vistos em termos de ligações de parentesco e amizades; são obrigados a “transbordar” e influenciar outras esferas de atividade.
Por razões semelhantes, as sociedades de pequena escala têm frequentemente dificuldades em desenvolver um serviço público impessoal, profissional e integral. É provável que as ações dos funcionários públicos sejam vistas como apoiando ou opondo-se a certos políticos. A rede de relações pessoais multiplex torna extremamente difícil para um indivíduo desempenhar o papel de um funcionário público neutro. Tem tendência a ser forçado a um partidarismo por defeito; ou a ser visto como partidário, mesmo que tente o seu melhor para não se comportar assim.
Nas pequenas sociedades, as redes são mais suscetíveis à sobreposição; e os conhecimentos em comum são mais suscetíveis de serem descobertos em reuniões fortuitas (Hannertz & Gingrich, 2017). Abundam as relações multiplex (ou multinível), uma vez que as pessoas têm frequentemente de desempenhar vários papéis públicos a fim de preencher as necessidades de pessoal de uma sociedade complexa: seja na China ou em Tuvalu, ainda é necessário um chefe de Estado, um chefe do sistema judicial, um chefe dos bombeiros, um chefe dos serviços postais, e assim sucessivamente. (Benedict, 1967; Baldacchino & Veenendaal, 2018).
Dado este campo social intrincado, os cidadãos em sociedades de pequena escala – incluindo pequenas ilhas – aprendem a sobreviver e a enfrentar, mas também a manipular este universo social o melhor que podem. Daí o recurso à “intimidade gerida”: “Os habitantes de pequenos Estados aprendem a relacionar-se, quer gostem quer não, com as pessoas que irão conhecer em miríades de contextos ao longo de toda a sua vida. Para permitir que o mecanismo social funcione sem a devida tensão, eles minimizam ou mitigam conflitos evidentes” (Lowenthal, 1987 p. 39). Há também a tendência para uma abordagem instrumental no sentido de cultivar e explorar as redes e os “amigos dos amigos”. (Boissevain, 1974). A única saída realista de uma tal dinâmica é o exílio (ex-ilha).
Referências
Baldacchino, G. (1997). Global tourism and informal labour relations: The Small-scale syndrome at work. London: Mansell.
Baldacchino, G., & Veenendaal, W. (2018). Society and community. In G. Baldacchino (Ed.), The Routledge international handbook of island studies (pp. 339-352). London: Routledge.
Benedict, B. (1967). The significance of applied anthropology for anthropological theory. Man, 2(4), 584-592.
Boissevain, J. (1974). Friends of friends: Networks, manipulators and coalitions. Oxford: Blackwell.
Durkheim, É. (1897). De la définition des phénomènes religieux. L’Année Sociologique (1896/1897-1924/1925), 2, 1-28.
Firth, R. (1951/ 2013). Elements of social organisation. London: Routledge.
Gluckman, M. (1955). Anthropology in Central Africa. Journal of the Royal Society of Arts, 103(4957), 645-665.
Hannerz, U., & Gingrich, A. (Eds.). (2017). Small countries: Structures and sensibilities. Philadelphia, PA: University of Pennsylvania Press.
Lowenthal, D. (1987). Social issues. In C. Clarke & T. Payne (Eds.), Politics, security and development in small states (pp. 26-49). London: Allen & Unwin.
Parsons, T. & Shils, E. (1951). Toward a general theory of action. Cambridge MA: Harvard University Press.