Em pequenas ilhas, intimidade (social), monopólio (económico) e totalidade (política) combinam-se para criar um tecido social muito distinto que se deve simplesmente aprender a negociar e possivelmente a gerir para sobreviver à “vida insular”. Se um cidadão de uma pequena ilha considerar esta combinação demasiado opressiva e mesmo insuportável, a única solução realista pode ser o exílio (ou “ex-ilha”: Bongie, 1998).
O notável sentido de uma comunidade estreita nas pequenas ilhas é frequentemente acompanhado pela presença igualmente forte do Estado, especialmente em pequenos estados insulares e jurisdições insulares subnacionais. Ubíquas e omnipresentes, as ramificações do Estado em pequenos estados insulares e territórios são extensas e fazem lembrar regimes totalitários onde o “irmão mais velho” (ou “irmã mais velha”) está a observá-los. Embora a maioria das pequenas ilhas seja formalmente democrática, a tendência para o totalitarismo significa que a sua dinâmica informal é frequentemente caraterizada por um grau significativo de autoritarismo (Erk e Veenendaal, 2014). A relativa falta de uma economia vibrante do setor privado em muitas pequenas jurisdições insulares, significa que muitos insulares dependerão do Estado, direta ou indiretamente, para emprego, concessões ou contratos. As garras do Estado são tão expansivas que mesmo a sociedade civil, onde ela existe nas pequenas ilhas, pode muitas vezes organizar-se principalmente para fazer lobby e angariar recursos do Estado.
Os líderes políticos em estados pequenos tendem a permanecer no cargo por períodos comparativamente longos. Durante este tempo, tendem a dominar toda a arena política: uma caraterística destacada na “política do homem grande” (McLeod, 2007). A relativa fraqueza do parlamento, da oposição política, dos meios de comunicação, e de outras instituições que supostamente funcionam como um controlo do poder executivo implica frequentemente governos omnipotentes de pequenos estados. Uma tal condição pode levar a uma concentração de vastos poderes em indivíduos isolados. Os líderes tradicionais normalmente combinam as suas posições de liderança com a posse de um negócio e a candidatura a cargos eletivos, levando a uma convergência do poder tradicional, económico e político. O resultado de tais desenvolvimentos é a falta de partilha de poder, bem como a ausência de pluralismo económico e político, o que pode acabar por minar uma governação eficaz (Baldacchino e Veenendaal, 2018).
Esta intensidade da presença do Estado na vida insular é exacerbada pela política da personalidade. Os atos eleitorais são acompanhados por transmissões mediáticas, reuniões e debates televisivos, e agora também nos meios de comunicação social, tal como em outras jurisdições maiores. Contudo, nas sociedades pequenas, o votante e o votado têm mais probabilidades de se conhecerem pessoalmente: tipicamente, fazem questão de se ligarem a nível físico e cara-a-cara. Esta relação eleitor-político é exacerbada e facilitada pelo número relativamente menor de votos necessários para eleger um pequeno representante insular para um cargo. Isto ocorre porque os parlamentos, mesmo em pequenas jurisdições, terão sempre um número mínimo de membros e, por isso, são desproporcionadamente grandes, em relação ao tamanho do eleitorado. Estes baixos números e rácios tornam inevitáveis as relações pessoais, e tanto o eleitor como o candidato são suscetíveis de se darem a conhecer um ao outro. De facto, as pequenas sociedades insulares podem afirmar, com razão, que evidenciam uma das maiores afluências às urnas do mundo: em Malta e na Islândia, a afluência às urnas é tipicamente de 90% ou mais (apesar de a votação não ser obrigatória). Tais sociedades não são necessariamente exemplos de forte envolvimento dos cidadãos e de boas práticas democráticas; são também locais onde pode não ser boa ideia ser visto, e portanto conhecido, como um não votante (Hirczy, 1995).
Outra justificação para o papel extraordinário do Estado nas pequenas sociedades insulares tem a ver com a massa crítica. Isto sugere que qualquer sociedade, e especialmente uma jurisdição, exigirá um conjunto de papéis tipicamente desempenhados pelo Estado: um presidente do parlamento, um comissário da polícia, um juiz-presidente, um chefe de finanças, um responsável pelos correios, um secretário da saúde. Quer se trate da Índia (a maior democracia do mundo por população) ou do Tuvalu (o mais pequeno Estado insular soberano do mundo), estes papéis devem existir numa democracia que funcione bem. Se não forem capazes de distribuir estes papéis por igual número de pessoas, as pequenas sociedades podem combinar, e combinam, alguns destes papéis dentro da descrição de funções da mesma pessoa. Por conseguinte “não só existem menos papéis numa sociedade de pequena escala, mas devido à exiguidade do campo social total, muitos papéis são desempenhados por relativamente poucos indivíduos” (Benedict, 1967, p. 26).
Esta sobreposição de papéis pode levar a situações de conflito de funções: os mesmos indivíduos são postos em contacto várias vezes em vários contextos sociais, e onde estão conscientemente a desempenhar papéis diferentes. Nos pequenos sistemas sociais insulares, os critérios ascritivos ultrapassam os critérios alcançados, mesmo em contextos nocionalmente meritocráticos. Os colegas de escola primária e secundária voltam a ligar-se no ensino superior, no local de trabalho, noutras atividades sociais, políticas e religiosas. As amizades podem permanecer durante décadas e podem encorajar formas subtis de preferência, discriminação e favoritismo: o que tem sido descrito como “familismo amoral” (Banfield, 1958). Entretanto, as rivalidades também durarão uma vida inteira e podem desencadear inimizades sérias e relações de antipatia, reminiscentes de conflitos de estilo mafioso. Assim, um pequeno cidadão da ilha crescerá numa densa rede de família, amigos e “amigos dos amigos” (Boissevain, 1974) resultante de um “colete-de-forças de vigilância comunitária” (Weale, 1992, p. 9), e acentuada pelo Estado e por um sistema político intrusivo.
Não admira, portanto, que uma pequena sociedade insular (ou política) tenha sido descrita como aproximando-se de uma “instituição total”, um termo popularizado por Goffman (1961). Na maioria das sociedades ocidentais, pode haver fronteiras claras entre os locais onde – e os grupos sociais com os quais – as pessoas trabalham, brincam, rezam, relaxam, comem e dormem. Nas instituições totais, contudo, tais barreiras e fronteiras podem ceder, quebrar-se ou serem inexistentes. O termo foi cunhado para se referir a asilos (instituições mentais com reclusos residenciais), mas foi alargado para se aplicar a locais tais como internatos, prisões ou quartéis militares. Dada a forma como a totalidade se aplica, como descrito acima, uma pequena sociedade insular, e especialmente uma pequena jurisdição insular, poderia também qualificar-se a essa definição. Afinal, numa instituição total, “… todos os aspetos da vida são conduzidos no mesmo lugar [leia-se: pequena ilha] e sob a mesma autoridade única [leia-se: o Estado, o governo, bem como a sociedade obcecada pela vigilância]” (Goffman, 1961, p. 12). As pequenas ilhas têm sido descritas de forma diferente como instituições totais nos últimos anos devido às crescentes disposições dos seus governos no sentido da titularização e da segurança das suas fronteiras: quer em resposta à chegada de “imigrantes indocumentados”, quer como uma medida de proteção proativa face à ameaça do Covid-19 (Lemaire, 2014; Agius et al., 2021). Ao fazê-lo, tais governos perseguem o “desejo inatingível da insularidade” (Perera, 2009, p. 1). Os centros de detenção insular “funcionam como ilhas dentro das ilhas, como que para acentuar e parodiar o desejo de conter e isolar” (Mountz, 2017, p. 75).
Referências
Agius, K., Sindico, F., Sajeva, G., & Baldacchino, G. (2021). ‘Splendid isolation’: Embracing islandness in a global pandemic. Island Studies Journal, 17(2), ___-____.
Baldacchino, G. and Veenendal, W. (2018). Society and community. In G. Baldacchino (Ed.), Routledge international handbook of island studies: A world of islands (pp. 339-352). London: Routledge.
Banfield, E. C. (1958). The moral basis of a backward society. New York: Free Press.
Benedict, B. (Ed.) (1967). Problems of smaller territories. London: University of London and Athlone Press.
Boissevain, J. (1974). Friends of friends: Networks, manipulators and coalitions. New York: St Martin’s Press.
Bongie, C. (1998). Islands and exiles: The creole identities of post/colonial literature.
Erk, J., & Veenendaal, W. P. (2014). Is small really beautiful? The microstate mistake. Journal of Democracy, 25(3), 135-148.
Goffman, E. ( 1961) Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York:Anchor Books.
Hirczy, W. (1995). Explaining near‐universal turnout: The case of Malta. European Journal of Political Research, 27(2), 255-272.
Lemaire, L. (2014). Islands and a carceral environment: Maltese policy in terms of irregular migration. Journal of Immigrant & Refugee Studies, 12(2), 143-160.
McLeod, A. (2007). Leadership models in the South Pacific. State, society and governance in Melanesia program. Canberra: Australian National University.
Mountz, A. (2017). Island detention: Affective eruption as trauma’s disruption. Emotion, Space and Society, 24(1), 74-82.
Perera. S. (2009). Australia and the insular imagination: Beaches, borders, boats and bodies. New York:Palgrave Macmillan.
Weale, D. (1992). Them times. Charlottetown, Canada: Institute of Island Studies, University of Prince Edward Island.