O universo social dos habitantes de pequenas unidades sociais, incluindo pequenas ilhas, está repleto de ligações. Estas incluam os suspeitos óbvios – a família imediata e os amigos próximos – mas também uma miríade de conhecimentos, contactos, antigos colegas de escola e de trabalho. Como tal, isto é comum a todos os atores sociais. O que torna estas ligações especialmente relevantes num contexto de pequena escala é que podem ser utilizadas na procura de necessidades e aspirações. O universo social das sociedades de pequena escala é fortemente articulado e interligado: expressa a “condição ABC”: “articulação por compressão”. Além disso, os atores sociais de um pequeno campo social encontram-se envolvidos em múltiplos papéis, de modo que os seus conjuntos de papéis são suscetíveis a se sobreporem e intersetarem várias vezes. Assim, não é excecional descobrir, por exemplo, professores do ensino primário ao universitário, que tenham os seus próprios filhos nas suas aulas (levando a situações de conflitos de papéis, por vezes inescapáveis). Também é possível descobrir que antigos colegas de escola e de trabalho mantêm ligações e conexões ao longo do tempo: apenas a emigração (exílio/ex-ilha) é o melhor garante para cortar as ligações com esses antigos contactos.
Com um campo social tão rígido, alimentado e sustentado por “relações particularistas” (Benedict, 1966; 1967) e papeis sociais “multiplex” (Gluckman, 1955) onde praticamente cada relação social serve interesses múltiplos, o caminho para a satisfação das necessidades e desejos, incluindo o acesso a bens públicos ou recursos escassos, não tem de passar através dos canais institucionais formais, mas (também) através das ligações pessoais. Esta procura não é específica das classes sociais: apenas muda a natureza das ligações, baseada na classe social. A elite económica tem mais probabilidades de envolver regularmente os políticos e os seus quadros no avanço das suas agendas. Mas os das classes sociais mais baixas também irão construir e (procurarão) alimentar relações com os detentores do poder, a fim de poderem “marcar pontos” em momentos de necessidade, ou assegurar “despojos” quando se tornarem disponíveis (Buker, 2005). Os políticos assim acostumados procuram frequentemente agradar e satisfazer os seus eleitores, sabendo que tais ações da sua parte podem assegurar a lealdade dos eleitores em tempo de eleições. Assim é implantada uma rede: a rede não enquanto uma montagem técnica (por exemplo, uma rede ferroviária) mas no seu sentido sociológico: a soma total de indivíduos que são conhecidos diretamente por uma pessoa (zero graus de separação) ou através de outra ligação, como um “amigo de um amigo” (um grau de separação) e conhecidos o suficiente para poderem ser abordados com pedidos de favores e assistência. (Se o potencial patrono aceita ou não fazer o favor é outra história). A relação de poder pode ser vertical – envolvendo ligações patrono-cliente; mas também horizontal, caso em que se pode esperar alguma reciprocidade de obrigação. Barnes (1954) demonstrou que viver numa pequena sociedade insular – Bremnes, na Noruega, no seu caso – significa que, mesmo que os habitantes possam não se conhecer diretamente, estão plenamente confiantes de que as suas redes sociais se sobrepõem generosamente e, portanto, que vários “terceiros” serão conhecidos de ambos.
Os indivíduos nas sociedades de pequena escala constroem redes instintivamente, à medida que avançam ao longo da vida. As pessoas que “conhecem” bem e suficientemente bem podem ser abordadas para, por exemplo, fornecer informações específicas ou acelerar pedidos que de outra forma levariam mais tempo a processar utilizando os canais normais e oficiais. A intensidade e frequência de tais articulações é suscetível de aumentar quando se lida com pequenas políticas e jurisdições democráticas, uma vez que o número de indivíduos que exerce o poder político aumenta (Lévêque, 2020) e a personalização intensa torna-se a norma (Corbett & Veenendaal, 2018).
A análise das redes sociais parte do entendimento de que “a padronização dos laços sociais em que os atores estão inseridos tem consequências importantes para esses atores” (Freeman, 2004, p. 2). Um reconhecimento precoce de tais redes e do papel que desempenham é feito por Bott (1957; também Chambers, 1958), seguido por Boissevain (1974) na sua investigação no pequeno arquipélago que forma o Estado de Malta. Este ramo das ciências sociais desenvolveu-se numa direção estrutural e empírica, utilizando matemática, sociometria, ‘sociografias’ e ‘sociogramas’ para explicar, ilustrar e conceptualizar a distância social, e a força e robustez das relações e amizades.
Um refinamento importante e mais recente da ‘teoria de rede’ é a sua representação como ‘teoria de rede de atores’: uma revisão conceptual que se situa dentro do construtivismo social (Lei, 1992). Destina-se a lembrar-nos que as redes não são meras manipulações de indivíduos – tal como as aranhas que gerem a sua intrincada teia, uma metáfora comum mas parcial para as redes – mas também compreendem ações e encontros que influenciam e moldam esses mesmos indivíduos. A Teoria da Rede de Atores especula que nós – como seres sociais e personalidades – somos em grande parte, se não totalmente, a soma total das nossas relações. Não admira que a expressão seja: aves do mesmo bando mantêm-se juntas. Assim, existe um fluxo de influência bidirecional, birelacional e múltiplo, onde e quando as redes estão envolvidas: o do pedido pelo ativo desejado, e o tratamento desse pedido; mas também a influência de uma parte da relação sobre o comportamento e a compreensão da outra. Assim, nós, como atores sociais, tanto moldamos, como somos moldados pelas nossas redes.
Referências
Barnes, J. (1954). Class and committees in a Norwegian island parish. Human Relations, 7(1), 39–58.
Benedict, B. (1966). Sociological characteristics of small territories and their implications for economic development. In M. Banton (Ed.), Social anthropology of complex societies (pp. 23-36). London: Routledge.
Benedict, B. (Ed.). (1967). Problems of smaller territories. London: Institute of Commonwealth Studies.
Boissevain, J. (1974). Friends of friends: Networks, manipulators and coalitions. Oxford: Basil Blackwell.
Bott, E. (1957). Family and social networks: Roles, norms and external relationships in ordinary urban families. London: Tavistock.
Buker, P. E. (2005). Buker, P. E. (2005). The executive administrative style in Prince Edward Island: Managerial and spoils politics. In L. Bernier, K. Brownsey, & M. Howlett (Eds.), Executive styles in Canada: Cabinet structures and leadership practices in Canadian government (pp. 111-130). Toronto ON: University of Toronto Press.
Chambers, R. (1958). ‘Family and Social Network’. Book review. British Journal of Sociology, 9(2), 186–187.
Corbett, J., & Veenendaal, W. (2018). Democracy in small states: Persisting against all odds. Oxford: Oxford University Press.
Freeman, L. C. (2004). The development of social network analysis: A study in the sociology of science. Vancouver BC, Canada: Empirical Press.
Gluckman, M. (1955). The judicial process among the Barotse of Northern Rhodesia. Manchester: Manchester University Press.
Law, J. (1992). Notes on the theory of the Actor-Network: Ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, 5(4), 379-393.
Lévêque, P. (2020). Personalistic politics on Prince Edward Island: Towards a subnational approach to personalism and democracy. Small States & Territories, 3(1), 153-172.