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Especialização Flexível

Qualquer sociedade, e especialmente uma jurisdição, exigirá um conjunto de papéis tipicamente desempenhados pelo Estado: um presidente do parlamento, um comissário da polícia, um juiz-presidente, um chefe de finanças, um responsável pelos correios, um secretário da saúde. Quer se trate da Índia (a maior democracia do mundo por população) ou do Tuvalu (o mais pequeno Estado insular soberano do mundo), estes papéis devem existir numa democracia que funcione bem. Se não forem capazes de distribuir estes papéis por igual número de pessoas, as pequenas sociedades podem combinar, e combinam, alguns destes papéis dentro da descrição de funções da mesma pessoa. Por conseguinte “não só existem menos papéis numa sociedade de pequena escala, mas devido à exiguidade do campo social total, muitos papéis são desempenhados por relativamente poucos indivíduos” (Benedict, 1967, p. 26).
Para ilustrar isto com um exemplo da vida real, considere o departamento de sociologia de uma grande universidade pública. A York University (YU), Toronto, Canadá (população: 36 milhões) é uma grande instituição pública do ensino superior com mais de 55.000 estudantes. Emprega 41 académicos a tempo inteiro no seu departamento de sociologia (https://www.yorku.ca/laps/soci/). Na Universidade de Malta (UM), a única universidade pública neste pequeno estado insular (população: 500.000) com cerca de 12.000 estudantes, existem apenas seis académicos a tempo inteiro no departamento de sociologia (https://www.um.edu.mt/arts/sociology/ourstaff). Ambos os departamentos devem ensinar sociologia a nível de graduação e pós-graduação, e liderar ou supervisionar a investigação de ponta neste campo. Isto significa que os sociólogos da UM não se podem dar ao luxo de se especializarem demasiado, ao contrário dos seus colegas de disciplina na YU. Algumas áreas mais restritas de especialização, que podem prosperar na YU, poderão permanecer não reclamadas na UM. E, entre eles, espera-se que os sociólogos da UM alarguem suficientemente o seu portfólio para poderem oferecer um currículo suficientemente abrangente aos seus estudantes; algo que os sociólogos da YU não têm de considerar.
Isto leva a uma situação de especialização flexível na pequena ilha: uma situação em que os indivíduos ocupam nichos vagos, vocacionais ou especializados, não necessariamente porque são peritos experientes e comprovados nesse campo; mas porque podem ter conhecimentos cognatos num campo relacionado. Como homens e mulheres “faz-tudo polivalentes” (Bennell e Oxenham, 1983, p. 24), os especialistas flexíveis são também melhores a “conectar” conhecimentos, gravitando mais naturalmente para posições e epistemologias transdisciplinares. Claro que, para cobrir uma maior amplitude, podem ter de sacrificar a profundidade. Mas tal “profundidade” pode não ser tão crítica em pequenas jurisdições insulares: uma quantidade limitada (e não especializada) de conhecimentos num campo específico pode ser suficiente para satisfazer as necessidades dessa sociedade. “Os países pequenos [muitas vezes insulares] precisam certamente do melhor; mas nos países pequenos, o melhor pode por vezes ser definido em termos de flexibilidade e amplitude, em vez de profundidade” (Brock, 1988, p. 306) … embora isto possa ser difícil de admitir. Prestígio à parte, não há, realmente, outra escolha senão pôr em prática a versão afinada desse velho adágio: ser um homem (ou mulher) dos sete ofícios, e esperemos que suficientemente mestre (ou mestra) de todos eles (Firth, 1951, p. 47; Jacobs, 1989, p. 86). Com o recurso à “multiplicidade ocupacional” (Comitas, 1963, p. 41), qualquer especialização, e a divisão de trabalho que assume, permanece incompleta (Shaw, 1982, p. 98). Há benefícios claros em ser um peixe grande num pequeno lago (Baldacchino, 1997, p. 127).
Investir num repertório de competências, de preferência especializações, sucessivamente e/ou em sincronia, surge como uma estratégia racional: tanto mais que os cidadãos das pequenas ilhas, no decurso da sua vida profissional, têm de enfrentar (muitas vezes repentinos) retrocessos e inversões económicas, bem como aberturas e oportunidades (incluindo a opção de passar tempo fora da sua ilha) (Carnegie, 1982). O alargamento e a multiplicidade de papéis que acompanham tais respostas comportamentais à condição da pequena ilha são mecanismos de resposta sagazes para melhorar, equilibrar e minimizar o risco em condições de expansão ou recessão: uma componente central de um “algoritmo de sobrevivência centrado na segurança” (Brookfield, 1975, pp. 56-57). Há um reconhecimento tácito de que cada opção é, em si mesma, limitada e frágil, não sendo suficiente para constituir uma operação permanente e segura. Isto ocorre quer devido a mudanças no gosto ou na procura dos clientes (através da mudança das tendências do mercado) ou na oferta de talento (devido à facilidade de substituição ou ao aumento da concorrência). A maximização da diversidade de papéis e a exploração das especialidades enquanto e até quando durarem é uma combinação comprovada e vencedora face à incerteza.
Histórias de vida documentadas de cidadãos de pequenas ilhas revelam e ilustram frequentemente como estas pessoas são especialistas e mediadoras flexíveis e de funcionamento essencialmente “glocal”. Considere Isaac Caines (um pseudónimo), estivador, cortador de cana e trabalhador de St Kitts (Richardson, 1983, pp. 54-5); Kawagl, um agricultor de subsistência Chimbu da Melanésia (Brookfield, 1972, pp. 167-8); ou Marshy, o vendedor ambulante especializado em peixe e bammy cozido a vapor, de Kingston, Jamaica (Wardle, 2002).

Godfrey Baldacchino

Referências
Baldacchino, G. (1997). Global tourism and informal labour relations: The small-scale syndrome at work. London: Mansell.
Benedict, B. (Ed.) (1967). Problems of smaller territories. London: Institute of Commonwealth Studies.
Bennell, P., & Oxenham, J. (1983). Skills and qualifications for small island states. Labour and Society, 8(1), 3-38.
Brookfield, H. C. (1972). Colonialism development and independence: The case of the Melanesian islands in the South Pacific. Cambridge: Cambridge University Press.
Brookfield, H. C. (1975). Multum in parvo: questions about diversity and diversification in small developing countries. In P. Selywn (Ed.), Development policy in small countries (pp. 54-76). London: Croom Helm.
Brock, C. (1988). Education and national scale: the world of small states. Prospects, 18(3), 302-314.
Carnegie, C. V. (1982). Strategic flexibility in the West Indies: a social psychology of Caribbean migration. Caribbean Review, 11(1), 10-13, 54.
Comitas, L. (1963). Occupational multiplicity in rural Jamaica. In V. Garfield & E. Friedl (Eds.), Symposium on community studies in anthropology. Proceedings of the American Ethnological Society. Seattle WA: University of Washington Press.
Firth, R. (1951). Elements of social organisation. London: Watts & Co.
Jacobs, J. (1989). The economic development of small countries: Some reflections of a non-economist. In J. Kaminarides, L. Briguglio & H. N. Hoogendonk (Eds.), The economic development of small countries: Problems, strategies and policies (pp. 83-90). Delft, The Netherlands: Eburon.
Richardson, B. C. (1983). Caribbean migrants: Environment and human survival on St. Kitts and Nevis. Knoxville TN: University of Tennessee Press.
Shaw, B. (1982). Smallness, islandness, remoteness, and resources: an analytical framework. Regional Development Dialogue, 3(1), 95-109.
Wardle, H. (2002). Marshy and friends: informality, deformalisation and West Indian island experience. Social Identities, 8(2), 255-270.