Orlanda Amarílis Lopes Rodrigues Fernandes Ferreira foi uma escritora cabo-verdiana, nascida na ilha de Santiago, a 8 de outubro de 1924. No Mindelo (ilha de São Vicente), completou o ensino básico e secundário, antes de passar ao Estado Português de Goa, onde terminou os estudos para o Magistério Primário. Já em Lisboa, formou-se em Ciências Pedagógicas, na Universidade de Lisboa. Veio a falecer na capital portuguesa a 1 de fevereiro de 2014.
As letras foram sempre uma presença na sua vida, através do marido, o escritor Manuel Ferreira (Leiria, 18-7-1917/Linda-a-Velha, 17-3-1992), estudioso das literaturas e culturas africanas lusófonas, autor de No Reino de Caliban e A aventura crioula, do pai, Armando Napoleão Rodrigues Fernandes (Brava, 1-7-1889/Praia, 19-6-1969), que publicou o primeiro dicionário crioulo-português, O Dialecto Crioulo: Léxico do Dialecto Crioulo do Arquipélago de Cabo Verde, e de Baltazar Lopes da Silva (São Nicolau, 23-4-1907/Lisboa, 28-5-1989), autor de Chiquinho e fundador da revista Claridade.
Orlanda Amarílis, como membro da Academia Cultivar, fundada por alunos do Liceu Gil Eanes, e colaboradora da revista Certeza (1944), pertenceu à Geração de Certeza, cuja pretensão principal é problematizar o isolamento do arquipélago de Cabo Verde e das ilhas entre si, com o propósito edificador da cultura e identidade cabo-verdianas: “os escritores da Geração de Certeza propõem fincar os pés na terra e assumem um compromisso com a ação e a mudança, a partir, sobretudo, de textos literários que privilegiem a reconstrução da identidade cabo-verdiana e o combate à opressão” (Deus, 2020: 75-76).
Em relação à Geração de Certeza e suposta problemática com os claridosos, Orlanda Amarílis fala de um trabalho de continuidade:
quando apareceu a Certeza, não foi para combater a Claridade como ouvi algures. Até já ouvi que Certeza não foi marco nenhum. No entanto, para nós [os membros da Academia Cultivar], Certeza viria trazer algo de novo. Havia um pulsar diferente dentro de nós, de uma geração posterior, portanto mais recente que os fundadores da Claridade. Fundar Certeza foi dar continuidade ao que a Claridade tinha iniciado. (Laban, 1992: 271-272)
Com o tempo, Amarílis tornou-se um dos mais importantes rostos femininos da literatura cabo-verdiana, expressando, na sua obra, a mulher cabo-verdiana e a diáspora. As suas histórias revelam um importante contributo para o registo e divulgação do património imaterial de Cabo Verde.
Aquando do regresso, após uma longa ausência, relembra a sua insularidade perdida, procurando nesse tempo de afastamento físico a força que a fez escrever e divulgar a vida das ilhas, mesmo na “tontice ingénua” de poder reviver esse tempo:
eu fui colocada na posição de procura de um universo perdido e, se essa rotura existiu virtualmente, foi bom, porque me obrigou a escrever. No entanto, o meu clima emocional de então não tem razão de ser neste momento. É uma tontice ingénua pensarmos ser possível, ao fim de tantos anos de ausência, reviver as emoções de então. […]. Quando há alguns anos voltei a Cabo Verde, perante mim espalharam-se as cinzas do vulcão que foi a minha vida até aos dezasseis anos. (Laban, 1992: 263)
Como obra mais marcante consideramos Cais do Sodré té Salamansa (1974; 1991), cujo título é uma referência a Lisboa e à ilha de São Vicente, mais precisamente à povoação situada a nordeste do Mindelo. O conjunto de sete contos dá a conhecer as facetas que apontamos nos contos de Orlanda Amarílis, com relevância para a diáspora, a mulher e o sentir cabo-verdiano do abandono e regresso às ilhas, num percurso iniciado em “Cais do Sodré” e terminado em “Salamansa”.
Com personagens que encarnam as ilhas, pela identidade, pela linguagem (expressões, formas de tratamento, canções, hábitos do quotidiano), pela dificuldade e agrura da vida, e pela subtileza dicotómica, física e figurada, entre a personagem que sai do espaço do arquipélago e a que permanece, “estando em exílio, contrapõem a todo tempo a memória de sua identidade cabo-verdiana às modificações causadas pela distância espacial e temporal, e essa distância vai se inserindo nas suas filiações identitárias” (Silva, 2010: 63), Orlanda Amarílis oferece uma reflexão sobre “questões importantes do cenário sociocultural cabo-verdiano como, por exemplo, a ressignificação da identidade cultural, a violência de gênero, a opressão sofrida pelas mulheres, a solidão, a emigração” (Deus, 2020: 80).
De Cais do Sodré té Salamansa, destacamos o que podemos considerar uma síntese da escrita de Orlanda Amarílis. Na parte final do conto “Salamansa”, Antoninha “garganteia com sabura” (Amarílis, 1991: 82) uma canção em crioulo, que serve de mote para invocar a praia de Salamansa, a comunhão com o mar e a emigrada Linda, menina da “rua do Cavoquinho” (Amarílis, 1991: 80), que simboliza as dificuldades da vida das mulheres das ilhas: “Oh, Salamansa, praia de ondas soltas e barulhentas como meninas intentadas em dia de S. João. Oh, Salamansa, de peixe frito nos pratos cobertos no fundo dos balaios e canecas de milho ilhado por titia em caldeiras com areia quente. Areia de Salamansa, Linda a rolar na areia” (Amarílis, 1991: 82).
Das obras da autora, cabe-nos referir, além de Cais do Sodré té Salamansa, Ilhéu dos pássaros (1982), A casa dos Mastros (1989), Facécias e Peripécias (1990), A tartaruguinha (1997).
Bibliografia
Amarílis, Orlanda (1991). Cais do Sodré té Salamansa. Linda-a-Velha: ALAC.
Deus, Lílian Paula Serra e (2020). Orlanda Amarílis, Vera Duarte e Dina Salústio: a tessitura da escrita de autoria feminina na ficção cabo-verdiana. In Regina Dalcastagnè (Dir.). Veredas – Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, nº 33. Coimbra: Associação Internacional de Lusitanistas. 74-87.
Figueira, Paulo (2014).Estudo Lexical sobre Cais do Sodré Té Salamansa, de Orlanda Amarílis. In Marcelino de Castro (Dir.). Islenha, nº 55. Funchal: DRAC. 63-74.
Laban, Michel (1992). Cabo Verde: encontro com escritores. Vol. I. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida.
Laranjeira, Pires (1987). Formação e desenvolvimento das literaturas africanas de língua portuguesa. In Literaturas africanas de língua portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 15-24.
Mariano, Gabriel (1991). Cultura caboverdeana – ensaios. Lisboa: Vega.
Silva, Elisa Maria Taborda da (2010). Cais do Sodré té Salamansa: o cabo-verdiano em exílio. In Beatriz Junqueira Guimarães (Ed.). Cadernos CESPUC de Pesquisa, nº 19. Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. 61-70. Trigo, Salvato (1987). Literatura colonial/Literaturas africanas. In Literaturas africanas de língua portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 139-158.