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Turismo Insular e Colonialismo

Tanto na ausência ou na representação estereotipada do morador, quanto na identificação da ilha com seu ideal, o olhar estrangeiro e o controlo sobre a representação têm sua marca. O elemento insular, escrevem Adam Grydehøj, Yaso Nadarajah e Ulunnguaq Markussen (2020), desempenhou um papel na construção das esferas de poder coloniais e neocoloniais. Além disso, aqui não se trata de uma localização puramente imaginária – digamos, por exemplo, a ilha de Caliban, seja em William Shakespeare ou Aimé Césaire – mas de uma dependência particular que, segundo Yolanda Martínez (2018), continua a estar operacional. Poder-se-ia mesmo identificar uma tendência histórica na utilização de alguns territórios ditos “ultramarinos” como laboratório ou modelo na assimilação de outras regiões insulares ou, diríamos ainda, de outros continentes. Conceitos utilizados para referir ilhas distantes das suas metrópoles como “territórios ultramarinos” ou “regiões ultraperiféricas”, utilizados no quadro europeu, já denotam a complexa ligação entre insularidade e colonialismo. Alguns investigadores têm projetado esta ligação à constituição do elemento insular como destino turístico, sobretudo quando esta insularidade está ligada a territórios geoestrateticamente mais “a sul” dos países europeus com capitais continentais que foram as “suas” metrópoles. Helen Kapstein (2017) identifica nesta capacidade de gerar “outros lugares” uma origem particular, ligada ao imaginário constitutivo das nações europeias.

Carla Guerrón (2011) estudou o uso turístico do conceito de “ilha paradisíaca” derivado da projeção de conceções como a “descoberta” das ilhas, mesmo quando estas são habitadas e as representações dos colonizadores sobrevivem nas representações atuais. Assim, por exemplo,   apesar das ilhas das Caraíbas estarem entre as mais heterogéneas social e etnicamente na cultura popular,  são reproduzidas como versões simplificadas e uniformes, marcadas pelo exotismo e exuberância. Na ilha, o tempo parece parado. As ilhas, escreve Kapstein, funcionam como um microcosmo particular no qual a nação pode projetar os seus estereótipos. Nesse sentido, Anthony Soares escreve que “Hoje, num contexto supostamente pós-colonial, as ilhas oferecem, talvez, as imagens mais potentes, angustiantes e anómalas do projeto neocolonial, e podem, portanto, ser vistas como exemplos das complexas vidas posteriores ao império” (2017: xvi ). No mundo do capitalismo global, a simplicidade da identificação entre insularidade e colónia é desafiada pela capacidade das próprias ilhas gerarem dinâmicas hierárquicas de poder (emblematicamente, nas sedes de grandes grupos hoteleiros, sediados nas Ilhas Baleares e alargando as suas dinâmicas nas Caraíbas). Não deixa de ser verdade, porém, que um certo imaginário colonial sobrevive na representação das ilhas, ou seja, na sua representação audiovisual, na identificação do residente como criado do visitante, nas hierarquias nacionais que se impõem na própria dinâmica da hospitalidade turística. Tina Jamieson, por exemplo, estudou-o na permanência da ideia de exotismo que se mantém no uso de certas ilhas do Pacífico como locais para casamentos, para turistas que costumam vir das antigas metrópoles (Hampton; Jeyacheya 2014). Louis Turner e John Ash (1975) já escreviam que o turismo, desde os seus primórdios no século XIX, se tornou  um agente de consolidação do “império”. Caberia avaliar como o capitalismo tardio varia essa perceção “imperialista” em formas de dominação geoestratégica ou de exploração dos recursos naturais, que já não respondem  à dialética centro-metrópole x periferia. Esta ligação entre a ideologia colonial e a imagem mitificada da ilha justificaria, para alguns, uma certa especificidade no desenvolvimento do turismo nos enclaves insulares. A recorrência da segmentação insular na promoção turística, que coexiste, claro está, com outras segmentações igualmente determinadas por imaginários mais ou menos coloniais –o deserto, o Oriente, o indígena, a paisagem nórdica selvagem, as cidades ‘históricas’– parece acompanhar esta ideia que, no entanto, tem sido questionada.

Mercè Picornell

Referências:

Grydehøj, Adam; Nadarajah, Yaso; Markussen, Ulunnguaq (2018). “Islands of indigeneity: Cultural Disctinction, Indigenous Territory and Island Spaciality”. Area, 52(1): 14-22.

Guerrón Montero, Carla (2011). “On Tourism and the Constructions of ‘Paradise islands’ in Central America and the Caribbean”. Bulletin of Latin American Research, 30: 1. 21-34.

Kapstein, Helen (2017). Postcolonial Nations, Islands, and Tourism. Londres i Nova York: Rowman i Littlefield International.

Martínez, Yolanda (2018). “Colonialismo y decolonialidad archipelágica en el Caribe”. Tabula Rasa: revista de humanidades, 29. 37-64. Turner, Louis; Ash, John (1975). The Golden Hordes: International Tourism and the Pleasure Periphery. Nova York: St. Martin’s Press.