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Categoria: Mercè Picornell

Turismo, Cultura e Identidade Insular

A mesma limitação espacial das ilhas pode criar uma ideia de autocontenção que se reflete para o turista (na sua perceção de visitar um “mundo completo”) mas também pode ligar mais claramente os seus habitantes ao local vivido (Grydehøj; Nadarajah ,; Markussen 2018). As ilhas assombradas pelo turismo compartilham a consciência dos seus limites tanto em termos culturais – a sua dissolução num mercado global de fluxos de férias– como também em termos de sustentabilidade do seu território. Stephen A. Royle ( 2009) identifica essa consciência na limitação essencial das ilhas cujas referências culturais podem ser traduzidas ou adaptadas para acolher o público recetor, criando mesmo um conceito particular para a identidade dos visitantes – por exemplo, no estudo de Hazel Andrews (2011) para o Ingleses que visitam Magaluf, em Maiorca. A imagem de vila a preservar que estes locais de residência defendem, será, no entanto, também sempre um produto indireto do turismo, um contraponto gerador de autênticas imagens pré-turísticas que reutilizam o mito do isolamento insular para defender uma identidade local ameaçada pelo turismo globalizante. No entanto, como vimos, muitas vezes a história das ilhas é de contacto constante. Segundo Eduardo Brito Henriques (2009: 43), o que partilham não é o isolamento mas sim a hibridação a que conduzem os seus portos e a sua vocação marítima.

O debate sobre a afetação cultural do turismo em ambientes insulares partilha as suas posições com aquele que se desenrola no quadro mais alargado da antropologia cultural, e no qual,  grosso modo, podemos identificar duas posições: a de quem vê no turismo, uma forma de aculturação do local e a daqueles que entendem – a partir de diferentes posições – que o turismo pode funcionar como um motor de preservação cultural ou de criação de novas formas culturais. Na primeira posição, encontraríamos sobretudo análises sobre como a mercantilização cultural em ambientes insulares provoca a modificação da cultura local que, como Michel Picard (1996) já percebeu a partir dos seus estudos em Bali, muda quando se torna uma representação performativa para os turistas. Ao mesmo tempo, Keith G. Brown e Jenny Cave (2010) observam que necessariamente convertem a relação entre turista e morador numa relação entre consumidor e produtor, que pode adaptar o seu produto às expectativas do primeiro. O acesso à cultura local é, portanto, reservado a poucos turistas exigentes e muitas vezes aqueles com alto poder aquisitivo que, por exemplo, quando chegam a Mallorca visitam o túmulo de Robert Graves no pitoresco – e caro – município de Deyà e não saem pelas ruas decoradas com bandeiras alemãs ou britânicas de Magaluf ou El Arenal.

Estudando o turismo cultural nas Ilhas Trobriand, Michelle MacCarthy reflete sobre os usos do conceito de autenticidade na valorização dos produtos culturais consumidos pelos turistas, uma autenticidade que a sua própria presença poderia corromper. No entanto, numa posição  construtivista do elemento cultural –conclui-, a autenticidade como tal que só existe como projeção do próprio turista, é, em si, um produto turístico vendido por culturas em constante processo de evolução. Sob esse ponto de vista, Antoni Vives e Francesc Vicens (2021) analisam o vínculo entre cultura turística e identidade local, sendo que – assim o entendem-  não é muito útil compreender o turismo como um processo de aculturação de identidades pré-turísticas puras e imóveis. O turismo também importaria formas complexas e criativas de contacto cultural, que emergem – como Michel Picard também concluiu de Bali – através da criação de novas formas de produção cultural moderna.

Também na sua dimensão ambiental, o turismo promove –desde as primeiras tentativas de inventar a natureza como lugar de contemplação dos visitantes (Martínez-Tejero e Picornell 2022)– uma patrimonialização do elemento natural que tem um duplo efeito especialmente relevante nas insularidades turísticas. Por um lado, transforma a natureza em paisagem, anulando, por exemplo, a relevância produtiva do rural ou a necessidade de respeitar as mudanças no meio ambiente e  nos seus recursos. A pulsão de visita ao ambiente paisagístico patrimonializado acaba, num perverso círculo paradoxal, por rapinar a natureza que celebra, motivando a exploração urbana, os meios de comunicação, a superocupação do território. Pelo contrário, gera uma tomada de consciência dos próprios limites do territorial, mas em que estes não se referem apenas à tomada de consciência do litoral, mas também, a uma avaliação da própria materialidade da terra que deriva, ao mesmo tempo, em dois registos interligados: a geração de um discurso ecológico onde a identidade insular está amplamente ligada ao espaço natural e, do mesmo modo, numa certa essencialização desta natureza como lugar de acolhimento das raízes das culturas residentes que pode conduzir a uma quase nostálgica idealização do pré-turismo como autêntico, ignorando, por vezes, as histórias de trânsito que, como vimos, muitas vezes condicionam as histórias insulares e as suas determinações literárias mais interessantes em termos de inovação metodológica. Considerando o terreno, as opressões do mercado de trabalho, a constante reinvenção do local na sua projeção e/ou resistência turística, o imaginário global do insular parece ainda mais uma construção literária, real na sua capacidade de atrair visitantes e configurar olhares, bem como avaliar como esses olhares são reajustados ou (cor)respondidos a partir da cultura local.

Mercè Picornell

Referências:

Andrews, Hazel (2011). “Porkin’ Pig goes to Magaluf”. Journal of Material Culture, 16: 2. 151-170.

Grydehøj, Adam; Nadarajah, Yaso; Markussen, Ulunnguaq (2018). “Islands of indigeneity: Cultural Disctinction, Indigenous Territory and Island Spaciality”. Area, 52(1): 14-22.

Martínez-Tejero, Cristina; Picornell, Mercè (2022). “From Pleasant Difference to Ecological Concern: Cultural Imaginaries of Tourism in Contemporary Spain”. Luis I. Prádanos, A Companion to Spanish Environmental Cultural Studies. Londres: Tamesis Books. 195-205.

Picard, Michel (1996). Bali: Cultural tourism and touristic culture. Singapur: Archipelago.

Royle, Stephen A. (2009). “Tourism Changes on a Mediterranean island: Experiences from Mallorca”, Island Studies Journal, 4: 2. 225-240.

Vives Riera, Antoni; Vicens Vida, Francesc (2021). Cultura turística i identitats múltiples a les Illes Balears. Passat i present. Barcelona: Afers.

Turismo, Insularidade e Sustentabilidade

A limitação territorial das ilhas faculta maior consciência dos limites dos seus recursos face à sobreexploração turística. Na bibliografia crítica, no entanto, identificam-se duas tendências quase opostas: a dos que detetam os riscos de sobreexploração turística das ilhas, e a dos que identificam no turismo uma possibilidade de desenvolvimento que a insularidade pode travar para outras indústrias turísticas. O conceito de “resiliência” é frequentemente discutido como uma virtude específica que permitiria suportar a pegada social e ecológica do turismo mais do que outros ambientes e diversificar o conhecimento necessário para se sustentar com seus próprios recursos (McLeod; Dodds, Butler 2021). A necessidade de “apoiar” esta pegada, mesmo quando ameaça o equilíbrio social, ecológico e cultural do ambiente, está relacionada com a possibilidade de “desenvolvimento” de ambientes que não têm conseguido, pela sua condição periférica ou remota, tornar-se industrializados. Segundo Dimitrios Buhalis (1999), o turismo reduziria a capacidade de prosperidade – prosperity gap – entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Este decréscimo poderá ter como contraponto, admite ainda, a desigualdade no acesso ao capital gerado pelo turismo quando a maioria dos residentes participa apenas na riqueza turística proveniente de ocupações laborais precárias, próprias ou, em geral, condicionadas pelas multinacionais que influenciam a procura turística, o acesso à ilha e até – se o poder político o permitir – o seu ordenamento e acessibilidades. Visões um pouco mais matizadas e críticas são as de quem considera a fragilidade de muitos ecossistemas insulares submetidos a um grande desgaste de recursos – por exemplo, a água – devido à chegada massiva de visitantes. Ao considerar o impacto das mudanças climáticas nos ambientes turísticos insulares, a partir do caso particular de Malta e Mallorca (Calvià), Rachel Dodds e Ilan Kelman (2018) propõem diferentes planos de ação necessários para proteger os ambientes para que sejam seguros para o turismo, mas sem questionar como o turismo, de facto, também contribui para as mudanças climáticas e a degradação natural de muitos dos ambientes em que ocorre. A sustentabilidade, assim, é deste modo definida não apenas como uma necessidade da prática turística em relação ao território em que se insere, mas como uma estratégia que permite a adaptação às mudanças provocadas, entre outros fatores, pela própria prática turística.

Mercè Picornell

Referências:

Buhalis, Dimitrios (1999). “Tourism in the Greek Islands: The issues of peripherality, competitiveness and development”, International Journal of Tourism Research, 1(5), 341-359.

Dodds, Rachel, i Kelman, Ilan (2008). “How climate change is considered in sustainable tourism policies: A case of the Mediterraneal Islands of Malta and Mallorca”, Tourism Review International, 12, 57-70.

NcLeod, Michelle, Dodds, Rachel, and Butler, Richard (2021). “Introduction to special issue on island tourism resilience”, Tourism Geographies, 23: 3, 361-370.

Turismo Insular e Colonialismo

Tanto na ausência ou na representação estereotipada do morador, quanto na identificação da ilha com seu ideal, o olhar estrangeiro e o controlo sobre a representação têm sua marca. O elemento insular, escrevem Adam Grydehøj, Yaso Nadarajah e Ulunnguaq Markussen (2020), desempenhou um papel na construção das esferas de poder coloniais e neocoloniais. Além disso, aqui não se trata de uma localização puramente imaginária – digamos, por exemplo, a ilha de Caliban, seja em William Shakespeare ou Aimé Césaire – mas de uma dependência particular que, segundo Yolanda Martínez (2018), continua a estar operacional. Poder-se-ia mesmo identificar uma tendência histórica na utilização de alguns territórios ditos “ultramarinos” como laboratório ou modelo na assimilação de outras regiões insulares ou, diríamos ainda, de outros continentes. Conceitos utilizados para referir ilhas distantes das suas metrópoles como “territórios ultramarinos” ou “regiões ultraperiféricas”, utilizados no quadro europeu, já denotam a complexa ligação entre insularidade e colonialismo. Alguns investigadores têm projetado esta ligação à constituição do elemento insular como destino turístico, sobretudo quando esta insularidade está ligada a territórios geoestrateticamente mais “a sul” dos países europeus com capitais continentais que foram as “suas” metrópoles. Helen Kapstein (2017) identifica nesta capacidade de gerar “outros lugares” uma origem particular, ligada ao imaginário constitutivo das nações europeias.

Carla Guerrón (2011) estudou o uso turístico do conceito de “ilha paradisíaca” derivado da projeção de conceções como a “descoberta” das ilhas, mesmo quando estas são habitadas e as representações dos colonizadores sobrevivem nas representações atuais. Assim, por exemplo,   apesar das ilhas das Caraíbas estarem entre as mais heterogéneas social e etnicamente na cultura popular,  são reproduzidas como versões simplificadas e uniformes, marcadas pelo exotismo e exuberância. Na ilha, o tempo parece parado. As ilhas, escreve Kapstein, funcionam como um microcosmo particular no qual a nação pode projetar os seus estereótipos. Nesse sentido, Anthony Soares escreve que “Hoje, num contexto supostamente pós-colonial, as ilhas oferecem, talvez, as imagens mais potentes, angustiantes e anómalas do projeto neocolonial, e podem, portanto, ser vistas como exemplos das complexas vidas posteriores ao império” (2017: xvi ). No mundo do capitalismo global, a simplicidade da identificação entre insularidade e colónia é desafiada pela capacidade das próprias ilhas gerarem dinâmicas hierárquicas de poder (emblematicamente, nas sedes de grandes grupos hoteleiros, sediados nas Ilhas Baleares e alargando as suas dinâmicas nas Caraíbas). Não deixa de ser verdade, porém, que um certo imaginário colonial sobrevive na representação das ilhas, ou seja, na sua representação audiovisual, na identificação do residente como criado do visitante, nas hierarquias nacionais que se impõem na própria dinâmica da hospitalidade turística. Tina Jamieson, por exemplo, estudou-o na permanência da ideia de exotismo que se mantém no uso de certas ilhas do Pacífico como locais para casamentos, para turistas que costumam vir das antigas metrópoles (Hampton; Jeyacheya 2014). Louis Turner e John Ash (1975) já escreviam que o turismo, desde os seus primórdios no século XIX, se tornou  um agente de consolidação do “império”. Caberia avaliar como o capitalismo tardio varia essa perceção “imperialista” em formas de dominação geoestratégica ou de exploração dos recursos naturais, que já não respondem  à dialética centro-metrópole x periferia. Esta ligação entre a ideologia colonial e a imagem mitificada da ilha justificaria, para alguns, uma certa especificidade no desenvolvimento do turismo nos enclaves insulares. A recorrência da segmentação insular na promoção turística, que coexiste, claro está, com outras segmentações igualmente determinadas por imaginários mais ou menos coloniais –o deserto, o Oriente, o indígena, a paisagem nórdica selvagem, as cidades ‘históricas’– parece acompanhar esta ideia que, no entanto, tem sido questionada.

Mercè Picornell

Referências:

Grydehøj, Adam; Nadarajah, Yaso; Markussen, Ulunnguaq (2018). “Islands of indigeneity: Cultural Disctinction, Indigenous Territory and Island Spaciality”. Area, 52(1): 14-22.

Guerrón Montero, Carla (2011). “On Tourism and the Constructions of ‘Paradise islands’ in Central America and the Caribbean”. Bulletin of Latin American Research, 30: 1. 21-34.

Kapstein, Helen (2017). Postcolonial Nations, Islands, and Tourism. Londres i Nova York: Rowman i Littlefield International.

Martínez, Yolanda (2018). “Colonialismo y decolonialidad archipelágica en el Caribe”. Tabula Rasa: revista de humanidades, 29. 37-64. Turner, Louis; Ash, John (1975). The Golden Hordes: International Tourism and the Pleasure Periphery. Nova York: St. Martin’s Press.

Turismo e Mito Insular

Na configuração da imagem turística da maioria dos destinos insulares, a sua condição mítica é fundamental. Os ecos fantasiosos dos seus nomes ou alcunhas para as ilhas ultrapassam a fronteira entre a realidade e a ficção, desde a Ítaca de Ulisses até às Ilhas Afortunadas que alguns quiseram localizar na Macaronésia. Na literatura, as ilhas referem-se a um lugar de refúgio ou a um espaço remoto, natural e desabitado, mesmo quando – como em A Tempestade ou Robinson Crussoe – é realmente habitado. A fantasia do insular cria um fascínio ligado à ideia de alteridade, distância ou separação (Sharpley 2012). O mito insular resultou numa falsificação ou simplificação do significado da própria palavra “ilha”, que remeteria, escrevem Charles C. Lim e Chris Cooper (2008), a uma ideia de fantasia, fuga à rotina e normalidade. Este é o tópico que retrata a ilha como um território pequeno e tropical (Baldacchino 2008), ignorando a diversidade de territórios insulares que não se enquadram na categoria. Segundo David Harrison (2001) essa ambivalência ainda prevalece nas representações contemporâneas, nas quais a ilha é apresentada como uma fuga do frenesim quotidiano e um lugar distante e inóspito. É, ainda, usado na publicidade como uma reivindicação para produtos tão diversos, como champôs, colónias ou refrigerantes. John Gillis (2007: 274) coloca as ilhas entre as “geografias míticas” da cultura ocidental, onde são associadas ao afastamento, à diferença e ao exotismo. A ideia metafórica do insular – explica Pete Hay (2006: 30) – pode mesmo dificultar-nos a recordação da realidade das ilhas, e da sua diversidade. O impulso mítico do insular parece orientar de forma irreversível a conceptualização turística dos enclaves insulares, e condiciona o olhar do turista que, segundo John Urry, condiciona não só as expectativas do turista, mas pode mesmo modificar a paisagem,  ou seja, adaptá-lo ao que o mito vende, exagerando, por exemplo, o que nas Canárias pode assemelhar-se ao Tropical ou criando um locus amoenus verde de relva plantada nos campos de golfe de ilhas mediterrânicas ameaçadas pela falta de chuva durante grande parte do verão.

Mercè Picornell

Referências:

Baldacchino, Godfrey (2008). “Studing Islands: On Whose Terms? Some Epistemological and Methodological Challenges to the Pursuit of Island Studies”. Island Studies Journal, 3: 1. 37-56.

Gillis, John (2004). Islands of the Mind: How the Human Imagination created the Atlantic World. Nova York: Palgrave Macmillan.

Hall, M. C. (2012). “Island, islandness, vulnerability and resilience”. Tourism Recreation Research, 37(2), 177-181.

Harrison, David, “Islands, Image and Tourism”, Tourism Recreation Research, 26(3), 9-14.

Lim, Charles C. (2008). “Beyond sustainability: optimising island tourism development”. International Journal of Tourism Research, 11: 1, 89-103.

Turismo Insular: Especificidade

São muitas as ilhas que se projetam globalmente como destinos turísticos, e que são conhecidas sobretudo como tal. Essa projeção muitas vezes é independente da do continente ao qual costumam estar simbolicamente ligados, ou de sua condição administrativa particular (ou seja, se são ou não Estados insulares). Assim, quem visita o Havaí não o faz como escala na sua rota pelos Estados Unidos, e o caráter insular de Malta ou de Chipre certamente passa por cima da sua condição de estado. Apesar de existirem estudos específicos sobre o turismo nas chamadas ilhas “frias”, a bibliografia crítica sobre o turismo insular refere-se maioritariamente a pequenas ilhas em ambientes quentes (ilhas de águas quentes) que podem ser promovidas como destinos de sol e praia.

Esta identificação não impediu a reflexão crítica sobre a existência de uma especificidade na caracterização do turismo em ambientes insulares. Para alguns autores, isto parece mais influenciado pelo mito insular do que pela possibilidade de isolar características específicas do turismo que se desenvolve em ambientes insulares face a outras localidades. R. Sharpley (2012), por exemplo, questiona se as ilhas são destinos populares devido à sua condição geográfica ou porque os serviços que oferecem são mais frequentes nas ilhas. Para este autor, os processos que afetam o turismo em contextos insulares – a conectividade, a migração, o contacto com outras realidades – não são específicos e sugerem que a particularidade turística das ilhas seria mais metafórica do que irreal.

Outros autores, no entanto, recorrem aos fatores socioambientais dos ambientes turísticos para identificar as particularidades que devem ser consideradas na análise do seu desenvolvimento. Estas têm que ver, sobretudo, com dois fatores fundamentais. A primeira seria a vulnerabilidade, sobretudo, dos ecossistemas, limitados na sua própria delimitação geográfica e que, face ao aumento da população e dos serviços que o turismo acarreta, poderia ter por corolário uma sobreexploração dos recursos naturais (McLeod; Dodds i Butler, 2021 ; Hall 2015 ; Orelha 2008). Perante isso, é extensa a bibliografia crítica que tenta identificar fórmulas de resiliência ou otimização que possam garantir uma exploração turística mais sustentável. D. B. Weaver (2017) identifica uma “síndrome da periferia virtuosa” resultante tanto da necessidade quanto do legado, que transforma pequenas ilhas em locais de resiliência e inovação. Em segundo lugar, sobretudo nas pequenas ilhas, sem desenvolvimento industrial anterior à exploração turística, o turismo substituiu uma economia agrária ou de subsistência difícil de manter na era da globalização. Weaver considera o turismo uma fórmula oportuna para o desenvolvimento económico, onde os fatores aparentemente negativos dos contextos insulares seriam transformados em positivos pela indústria turística. Essa monocultura, no entanto, é muitas vezes considerada uma forma de dependência que pode até ser reminiscente do imperialismo e que torna as economias e populações insulares dependentes de fatores que os seus habitantes e os seus governos não podem controlar. Assim, por exemplo, aconteceu com a pandemia de Covid-19 e é levantada a necessidade de estabelecer planos de ação face às alterações climáticas que ameaçariam fortemente os enclaves insulares. Nem todos os habitantes, observa Buhalis (1999), compartilham a riqueza associada ao desenvolvimento do turismo, mas, pelo contrário, a maioria dos habitantes locais participa apenas de empregos secundários e pouco qualificados e remunerados. Ainda mais quando o capital é acumulado pelas grandes corporações e multinacionais do lazer. Por último, há que considerar que Baum (1996) e Baldacchino (2013) se referem a outro fator relevante na especificidade dos enclaves insulares enquanto destinos turísticos e que se prende com uma certa perceção de totalidade que permitiria ter a perceção de estar a visitar “uma” realidade. Assim, por exemplo, parece mais viável visitar Madagáscar do que a França ou a Tailândia, apesar de serem menores em área. Na verdade, este mesmo sentimento favorece a criação de “marcas” turísticas com mais facilidade do que nos destinos continentais, onde, no entanto, também ocorre.

Merce Picornell

Referências:

Baldacchino, G., 2013. Island tourism. In: Holden, A., Fennell, D. (Eds.), A Handbook of Tourism and the Environment. Routledge,. London, pp. 200–208.

Baum, T. G. 1996. “The Fascination of Islands: The Tourist Perspective”, D. G. Lockhart i D.Drakakis-Smith, eds. Island Tourism: Problems and Perspectives. Londres: Pinter, 21-35.

Buhalis, Dimitrios (1999). “Tourism on the Greek Islands: Issues of Peripherality, Competitiveness and Development”, International Journal of Tourism Research, 1(5). 341-358.

Hall, M. C. (2012). “Island, islandness, vulnerability and resilience”. Tourism Recreation Research, 37(2), 177-181.

McLeod, Michelle; Dodds, Rachel i Richard Butler (2021). “Introduction to special issue on island tourism resilience”, Tourism Geographies, 23(3), 361-370.

Oreja Rodríguez, J. R. Et al (2008). “The sustainability of island destinations: Tourism area life cycle and teleological perspectives. The case of Tenerife”. Tourism Management, 29(1). 53-64.

Sharpley, R. 2012. “Island tourism or tourism on islands?”, Tourism Recreation Research, 37(2), 167-172.

Weaver, D. B. 2017. “Core-periphery relationships and the sustainability paradox of small island tourism”. Tourism Recreation Research, 42(1), 11-21.