Henrique Teixeira de Sousa é natural de Cabo Verde, ilha do Fogo, onde nasceu na freguesia de São Lourenço, a 6 de setembro de 1919. Veio a falecer, com 87 anos, em Algés, a 3 de março de 2006, vítima de atropelamento. Residia em Oeiras, Portugal, desde a década de setenta do século XX.
Concluiu o curso de medicina na Universidade de Lisboa, em 1945. Além da escrita, a medicina mereceu grande dedicação por parte de Teixeira de Sousa, frequentando cursos de Medicina Tropical e de Nutrição, tendo chegado a prestar serviço em Timor-Leste, na ilha do Fogo e na ilha de São Vicente, antes de voltar para Portugal.
Fruto da sua vivência inter-ilhas e pelo mundo, Henrique Teixeira de Sousa tornou-se um símbolo do sentir cabo-verdiano e da exposição do sentir das ilhas, o que, segundo Ondina Ferreira, o cataloga como “arquipelágico” porque “Os seus textos ensaísticos [e não só] saem desse âmbito mais restrito e pertencem igualmente a todas as ilhas de Cabo Verde”[1].
De Cabo Verde, e dos primeiros anos de formação deste autor, a sua longevidade permitiu a participação em movimentos culturais que vieram vincar a identidade cabo-verdiana. Desde os claridosos, associados à revista Claridade (1936), à geração da Certeza, identificados com a revista Certeza (1944), Henrique Teixeira de Sousa manteve-se próximo da evolução literária do arquipélago cabo-verdiano numa atitude edificadora da cultura e identidade cabo-verdianas.
Sendo de um tempo em que se que assistiu e participou na luta pela libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde, sob a bandeira do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), algumas das suas obras de referência refletem esse período conturbado e de incertezas para o futuro do arquipélago que, graças ao seu povoamento, diáspora e respetiva História, não era propriamente irmão da Guiné-Bissau e se revia numa posição intermédia entre África e a Europa: “Em Caboverde julgo poder afirmar que o processo de aculturativo desabrochou no florescimento de expressões novas de cultura, mestiças […]; que no arquipélago puderam o negro e o mulato apropriar-se de elementos da civilização europeia e senti-los como próprios” (Mariano, 1991: 47).
Tanto a visão histórico-política, como a mais atenta sensibilidade em relação aos problemas sociais cabo-verdianos (a fome, a emigração) fizeram de Henrique Teixeira de Sousa “um profundo e um fino analista social”[2]. A reformulação destas temáticas fez com que a literatura cabo-verdiana se afirmasse porque foi necessário “ultrapassar a fase folclórica ou regionalista para não continuarmos espartilhados dentro dum círculo restrito de temas mais que esgotados” (Laban, 1992: 207).
É difícil discernir acerca da sua obra-prima. Entre os contos e os romances destacamos dois, em particular, Contra mar e vento, o seu primeiro livro de contos, e Entre duas bandeiras, romance histórico, por estarem presentes elementos formadores de Cabo Verde, enquanto entidade geográfica, política e cultural.
Em Entre duas bandeiras, por estar próximo de “la memoria politica” (Turano, 1997: 1555), é evidente o debate lançado sobre a identidade insular de Cabo Verde, que não acolhe ou se identifica com a união guineense e, ao longo da obra, o autor aponta elementos de cariz civilizacional que justificam a discussão perante a independência do arquipélago: “Con questo volume lo scrittore apre il dibattito su una questione delicata, quella del passaggio dei poteri dal vecchio regime coloniale al nuovo stato indipendente. Con la presa del potere del P.A.I.C.G. riemergono, attraverso la ‘finzione’ romanzesca, questione politiche che, forse, sarebbe interessante dibattere” (Turano, 1997: 155). Enquanto leitores, concluímos uma maior afinidade com a ideia de uma independência de Cabo Verde fora da esfera da Guiné-Bissau, o que daí resulta um país insular com uma identidade muito própria entre dois continentes edificadores do seu sentir. Este ponto de vista é assumido abertamente pelo próprio Henrique Teixeira de Sousa: “Ora, eu não via que essa unidade [Cabo Verde/Guiné-Bissau] fizesse o mínimo sentido dada a disparidade dos valores culturais entre os dois países. Combati-a veementemente. E a História veio-me dar razão” (Laban, 1992: 202).
Das obras de Henrique Teixeira de Sousa, cabe-nos referir Contra mar e vento (1972), Ilhéu de contenda (1978), Capitão de Mar e Terra (1984), Xaguate (1987), Djunga (1990), Na Ribeira de Deus (1992), Entre duas Bandeiras (1994), Oh Mar das Túrbidas Vagas (2005). Ilhéu de contenda, Xaguate e Na Ribeira de Deus constituem uma trilogia.
Bibliografia
Chabal, Patrick et al. (1996). The postcolonial literature of lusophone Africa. Londres: Hurst & Company.
“Entrevista a Ondina Ferreira – H. Teixeira de Sousa é uma referência incontornável da nossa história cultural”. Acesso digital: https://terranova.cv/index.php/entrevista/6895-h-teixeira-de-sousa-e-uma-referencia-incontornavel-da-nossa-historia-cultural-ondina-ferreira. Consultado a 13-12-2021.
Figueira, Paulo (2012). Entre Duas Bandeiras, de Henrique Teixeira de Sousa: traços para a identidade cabo-verdiana. In Navegações, 194-202.
Laban, Michel (1992). Cabo Verde: encontro com escritores. Vol. I. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida.
Laranjeira, Pires (1987). Formação e desenvolvimento das literaturas africanas de língua portuguesa. In Literaturas africanas de língua portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 15-24.
Mariano, Gabriel (1991). Cultura caboverdeana – ensaios. Lisboa: Vega.
Trigo, Salvato (1987). Literatura colonial/Literaturas africanas. In Literaturas africanas de língua portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 139-158.
Turano, Maria Rosaria (1997). Diaspora Capoverdiana a Lisbona: Memoria Letteraria e Memoria Rituale – Appunti da una Ricerca. In Africana Miscellanea di Studi Extraeuropei. Pisa: Edizioni ETS, 149-159.
[1] In “Entrevista a Ondina Ferreira – H. Teixeira de Sousa é uma referência incontornável da nossa história cultural”. Acesso digital: https://terranova.cv/index.php/entrevista/6895-h-teixeira-de-sousa-e-uma-referencia-incontornavel-da-nossa-historia-cultural-ondina-ferreira.
[2] In “Entrevista a Ondina Ferreira – H. Teixeira de Sousa é uma referência incontornável da nossa história cultural”. Acesso digital: https://terranova.cv/index.php/entrevista/6895-h-teixeira-de-sousa-e-uma-referencia-incontornavel-da-nossa-historia-cultural-ondina-ferreira.