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João de Melo

Nascido na freguesia Achadinha, município do Nordeste, em São Miguel, Açores, a 4 de fevereiro de 1949, João Manuel de Melo Pacheco é um dos mais reconhecidos representantes da insularidade açoriana.

            Com 11 anos, fixou-se no continente português, onde prosseguiu os estudos no Seminário dos Dominicanos, em Fátima. Acabou expulso, por razões religiosas e políticas. Contudo, fixou-se em Lisboa, onde começou a publicar pequenas narrativas no Diário Popular e no Diário de Lisboa. Durante esta época também colaborou com a geração “Glacial”, homónima do suplemento literário, Glacial – União das letras e das artes, do jornal A União, sediado em Angra do Heroísmo, na Terceira.

            A Guerra Colonial foi uma das etapas marcantes da sua biografia, tendo prestado serviço militar (furriel e enfermeiro), em Angola. Além da infância, a Guerra do Ultramar marca a narrativa de João de Melo, destacando-se, por exemplo, Autópsia de um mar de ruínas (1984).

Após o 25 de Abril, João de Melo licenciou-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, período que considera como decisivo na sua formação como escritor: “Após ter frequentado a Faculdade de Letras, aconteceu uma revolução literária na minha cabeça, no meu espírito. Mudei de linguagem. É nessa fase que me encontro: tento harmonizar o máximo pendor narrativo com a expressão poética da narrativa” (Besse, 2019: 155).

            De acordo com o aspeto insular de algumas narrativas de João de Melo, não podemos descurar a vertente da açorianidade. Onésimo Teotónio Almeida refere-se a este conceito, “insistindo em que a açorianidade é a açorianidade de cada um. Embora existam elementos comuns à maioria dos açorianos […] em diferentes graus de intensidade” (Almeida, 2007: 26), ou seja, o diferente sentir das ilhas não impede que a açorianidade se alie a um sentimento ilhéu que assume um conjunto de elementos que cristalizam o sentir açoriano. Se tivermos por base os exemplos de A divina miséria e Gente feliz com lágrimas, há uma exploração de um sentir particular em relação à Terceira e a São Miguel, respetivamente, mas que se conjugam num conceito superior envolvente do arquipélago: “Eu vi a minha ilha despovoar-se de gente que todos os dias partia para a América. […]. Essa é a história da minha própria família” (Besse, 2019: 155).

            João de Melo aponta na sua escrita a distinção entre o aspeto insular e o aspeto regionalista, considerando que as suas narrativas não devem ser consideradas regionalistas no sentido restrito do conceito, apesar de os Açores serem o centro da universalidade humana presente na sua obra: “De modo que a minha escrita não pode ser considerada expressivamente ‘regionalista’. […]. Fiz dos Açores o meu lugar de todo o mundo: esse mundo real e simbólico a que ouso chamar universalidade da condição humana” (Besse, 2019: 154). Podemos considerar, então, que a prosa de João de Melo “é sobretudo um registo ficcional não só de uma geração, mas a de todos que durante um século viveram a sua tragédia e tentaram recuperar o que lhes restava da sua humanidade face a forças […] deste e do outro mundo” (Freitas, 1998: 119), por entre “uma errância e reencontros, de mitologias e de símbolos bíblicos e históricos” (Freitas, 1998: 119).

            Embora João de Melo seja o autor de várias narrativas de referência, Gente Feliz com Lágrimas é, talvez, a mais conhecida, sendo adaptada para teatro e televisão. Cremos que o romance reúne as principais provocações do conjunto da obra do autor, a insularidade, a infância, a emigração, a memória, além da guerra, porque “Uma ferida ou uma simples dor no olhar, eis o que bem pode definir tudo o que resta de um homem, do seu mundo perdido e de um tempo presente que ainda falta inventar. Só por isso, já lhe tinha valido a pena vir àquela casa dos Açores” (Melo, 1988: 479).

Julgamos que, a João de Melo, se aplica a opinião de Vamberto Freitas, como o autor que nos transporta pelos diferentes estádios das peregrinações humanas, em que nos revemos, enquanto leitores, do ponto de vista individual e coletivo: “só através da errância dos seus narradores poderia vir até nós esta incomparável visão globalizante das tribulações do homem moderno” (Freitas, 1998: 121). Uma errância definida por João de Melo na consciencialização da fórmula ilha/mar: “foi na minha infância, perante o mar dos Açores, que sempre fez algum sentido a oposição ilha/Mundo. Mas nela teve lugar uma definitiva evidência: as ilhas são pequenos continentes; os continentes não são mais do que ilhas muito grandes” (Melo, 2001: 119).

            Da sua bibliografia destacamos: A divina miséria, Gente feliz com lágrimas, Autópsia de um mar em ruínas, O meu mundo não é deste reino, O mar de Madrid, As coisas da alma, Os anos da guerra, Dicionário das paixões, Bem-aventuranças.

O reconhecimento da sua obra materializou-se em prémios como: Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, Prémio Eça de Queiroz/Cidade de Lisboa, Prémio Cristóvão Colombo (Capitais ibero-americanas), Prémio Fernando Namora/Casino do Estoril, Prémio Antena 1, Prémio “A Balada” e Prémio Dinis da Luz. Em 2021, venceu o Prémio Literário Urbano Tavares Rodrigues, com Livro de vozes e sombras. O Governo Português também reconheceu a relevância intelectual de João de Melo ao convidá-lo para adido cultural da embaixada em Madrid e com a Medalha de Mérito Cultural.

Paulo César Vieira Figueira

Bibliografia

Almeida, Onésimo Teotónio (2007). Sobre o peso da geografia no imaginário literário açoriano. In Jane Tutikian e Luiz Antonio de Assis Brasil (Orgs.).  Mar Horizonte: Literaturas Insulares Lusófonas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 23-32.

Besse, Maria Graciete (2019). João de Melo: entre a memória e a perda. Lajes do Pico: Companhia das ilhas.

Freitas, Vamberto (1998). Mar cavado: da literatura açoriana e de outras narrativas. Lisboa: Edições Salamandra.

Melo, João de (1988). Gente feliz com lágrimas. Lisboa: Círculo de Leitores.

Melo, João de (2001). O mare nostrum ou o mar em nós. In Alberto Vieira (org.). Livro de comunicações do colóquio “Caminhos do mar”. Funchal: Câmara Municipal do Funchal, 118-120. Sousa, Luís Francisco. Açorianidade: conversa com Cláudia Cardoso e Luiz Fagundes Duarte. Acesso digital: https://www.bruapodcasts.com/sapiens/2019/8/31/sapiens-aorianidade-com-cludia-cardoso-e-luiz-fagundes-duarte. Consultado a 10-12-2021