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José Agostinho Baptista

“Por ti cheguei e parto./A minha casa é onde estás” (Baptista, 1992: 9). Em José Agostinho Baptista a dimensão do lugar-ilha abre-se, por enigmas pessoais, ao mundo do leitor. Com uma vocação insular – física e spiritual – o sujeito apresenta-se como uma geografia errante, medida pelas montanhas, pelo mar ou pelo silêncio da Madeira primordial. A ilha desloca-se como uma casa por outros mosaicos geográficos.
Com um acentuado cunho mnemónico, a partida e a chegada desta poesia será sempre esse lugar idílico, entre os românticos “locus amoenus” e “locus horribilis”, coabitado pelo mar, pelo pai, pelo amor e, sobretudo, pelo sujeito-ilha, na aceção de um não-lugar, tornado o lugar “onde estás”. O processo de escrita de José Agostinho Baptista, com tendência para a recuperação de um modelo romântico, “não é apenas o processo do sentimento ou da memória, é o processo da própria escrita que se constitui em livro” (Magalhães, 1989: 256).
Nascido no Funchal (15 de agosto de 1948), José Agostinho Baptista é reconhecidamente um dos mais importantes poetas portugueses da sua geração. Durante um largo período da sua vida, residiu em Lisboa, tendo sido tradutor de autores essenciais, como W. B. Yeats ou Walt Whitman, e jornalista, em diferentes redações da imprensa da capital portuguesa, A República e Diário de Lisboa. Anteriormente, colaborou com o Comércio do Funchal. Há algum tempo, regressou à Madeira.
Abordar José Agostinho Baptista, impõe falar da sua relação telúrica com a Madeira, raramente harmoniosa, mas, em simultâneo, de uma dependência evidente. Cremos que a ilha é o caminho de uma poética marcada pela busca/epifania da identidade do sujeito, pleno da sua marca insular, a pulsão telúrica. Existe uma clara identificação sujeito poético/ilha com uma viagem iniciática pela nostalgia de um amor primordial, puro e sofredor.
Para Ana Margarida Falcão Seixas, José Agostinho Baptista revela uma forte presença da nostalgia na sua escrita que “conta, em episódios vários e em diversa dimensão narrativa, o exílio de um sujeito em si mesmo, corpo e mente desdobrados em múltiplas variantes que sacralizam o sonho, o devaneio e os vestígios do passado, proporcionando a enunciação de representações essencialmente em função da ausência” (Seixas, 2003: 398), o que aliado à dimensão telúrica revela o sentir ilhéu. A pulsão telúrica, verbalizada no entrosamento sentimental entre sujeito e ilha, “Ele era uma ilha, o basalto sem fim” (Baptista, 1992: 19), dimensiona a perspetiva da insularidade em temas caros à literatura portuguesa, como o exílio, o amor não correspondido, a loucura/devaneio, a nostalgia e a memória.
A figura do pai, ligado à memória da ilha primordial, é também outro leitmotiv, como é o caso de Agora e na hora da nossa morte, “Ninguém cala os tempestuosos rios no fundo/dos meus olhos,/quando penso nos vermes, nas viscosidades/que te procuram através do cetim” (Baptista, 1998: 102), uma longa (não-)oração até ao “Amén” final, ou em poemas como “Memória”, em Deste lado onde.
Outras terras assumem o rosto dessa ilha primordial, sendo a mais significativa o México: “o México, que é caraterizado pela sua essência mais perene, os seus deuses, as suas tatuagens paralelas, que, no universo simbólico e metafórico do Eu, configuram essa nova terra dos pais, um solo pátrio vasto, onde o Eu espraia o seu imaginário, na perspetiva romântica de vastidão e de recriação da originalidade da ilha primeira” .
José Tolentino Mendonça fala da poesia de José Agostinho Baptista como fundamental para a compreensão da Madeira, “a rugosidade do seu tempo, o arrebatamento desmedido da paisagem, as ribeiras incansáveis, o mistério dos frutos, a verdade desamparada do seu silêncio” , porque ess’“A ilha é toda a terra. E, no segredo escuro do seu nome, ela guarda a ambivalência mais significativa” .
Dos livros de José Agostinho Baptista, destacamos: Deste lado onde (1976), O último romântico (1981), Morrer no sul (1983), Autoretrato (1986), O centro do universo (1989), Paixão e cinzas (1992), Canções da terra distante (1994), Debaixo do azul sobre o vulcão (1995), Agora e na hora da nossa morte (1998), Biografia (2000), Afectos (2002), Anjos caídos (2003), Esta voz é quase vento (2004), Quatro luas (2006), Filho pródigo (2008), O pai, a mãe e o silêncio dos irmãos (2009) e Caminharei pelo vale da sombra (2011).
O reconhecimento mediático da sua obra engloba distinções como: o Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (2001 – Presidência da República) e a Medalha de Distinção atribuída no dia da Região Autónoma da Madeira (2015 – Governo Regional da Madeira). Outros prémios merecem relevo, como são o caso do Pen Club de Poesia (2003), por Anjos Caídos, e o Grande Prémio de Poesia CTT – Correios de Portugal (2004), por Esta Voz é Quase o Vento.

Paulo César Vieira Figueira

Bibliografia

Falcão, Ana Margarida (2011). O Funchal na poesia insular do séc. XV ao séc. XX. In Funchal (d)escrito: ensaios sobre representações literárias da cidade. Vila Nova de Gaia: 7 Dias 6 Noites, 77-113.
Figueira, Paulo (2020). José Agostinho Baptista, “le sentiment de soi”. In TRANSLOCAL. Culturas Contemporâneas Locais e Urbanas, nº 5. Funchal: UMa-CIERL/CMF/IA. Acesso digital: https://translocal.cm-funchal.pt/wp-content/uploads/2019/05/JoseAgostinhoBaptista-le-sentiment-de-soit5.pdf. Consultado a 21-12-2021.
Figueira, Paulo (2008). Percursos da subjetividade pós-modernista: um contributo para a análise das poéticas de José Agostinho Baptista e Eduardo White [dissertação de mestrado]. Funchal: Universidade da Madeira.
Magalhães, Joaquim Manuel (1989). Um pouco da morte. Lisboa: Presença.
Mendonça, José Tolentino (2000). Um sopro, uma leve pancada no coração. In A Phala – José Agostinho Baptista, nº 81. Acesso digital: https://joseagostinhobaptista.com/a-phala.html. Consultado a 21-12-2021.
Seixas, Ana Margarida Falcão (2003). Os Novos Shâmanes. Um Contributo para o Estudo da Narratividade na Poesia Portuguesa mais recente [tese de doutoramento]. Funchal: Universidade da Madeira.