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Intituição Total

Em pequenas ilhas, intimidade (social), monopólio (económico) e totalidade (política) combinam-se para criar um tecido social muito distinto que se deve simplesmente aprender a negociar e possivelmente a gerir para sobreviver à “vida insular”. Se um cidadão de uma pequena ilha considerar esta combinação demasiado opressiva e mesmo insuportável, a única solução realista pode ser o exílio (ou “ex-ilha”: Bongie, 1998).

         O notável sentido de uma comunidade estreita nas pequenas ilhas é frequentemente acompanhado pela presença igualmente forte do Estado, especialmente em pequenos estados insulares e jurisdições insulares subnacionais. Ubíquas e omnipresentes, as ramificações do Estado em pequenos estados insulares e territórios são extensas e fazem lembrar regimes totalitários onde o “irmão mais velho” (ou “irmã mais velha”) está a observá-los. Embora a maioria das pequenas ilhas seja formalmente democrática, a tendência para o totalitarismo significa que a sua dinâmica informal é frequentemente caraterizada por um grau significativo de autoritarismo (Erk e Veenendaal, 2014). A relativa falta de uma economia vibrante do setor privado em muitas pequenas jurisdições insulares, significa que muitos insulares dependerão do Estado, direta ou indiretamente, para emprego, concessões ou contratos. As garras do Estado são tão expansivas que mesmo a sociedade civil, onde ela existe nas pequenas ilhas, pode muitas vezes organizar-se principalmente para fazer lobby e angariar recursos do Estado.

Os líderes políticos em estados pequenos tendem a permanecer no cargo por períodos comparativamente longos. Durante este tempo, tendem a dominar toda a arena política: uma caraterística destacada na “política do homem grande” (McLeod, 2007). A relativa fraqueza do parlamento, da oposição política, dos meios de comunicação, e de outras instituições que supostamente funcionam como um controlo do poder executivo implica frequentemente governos omnipotentes de pequenos estados. Uma tal condição pode levar a uma concentração de vastos poderes em indivíduos isolados. Os líderes tradicionais normalmente combinam as suas posições de liderança com a posse de um negócio e a candidatura a cargos eletivos, levando a uma convergência do poder tradicional, económico e político. O resultado de tais desenvolvimentos é a falta de partilha de poder, bem como a ausência de pluralismo económico e político, o que pode acabar por minar uma governação eficaz (Baldacchino e Veenendaal, 2018).

Esta intensidade da presença do Estado na vida insular é exacerbada pela política da personalidade. Os atos eleitorais são acompanhados por transmissões mediáticas, reuniões e debates televisivos, e agora também nos meios de comunicação social, tal como em outras jurisdições maiores. Contudo, nas sociedades pequenas, o votante e o votado têm mais probabilidades de se conhecerem pessoalmente: tipicamente, fazem questão de se ligarem a nível físico e cara-a-cara. Esta relação eleitor-político é exacerbada e facilitada pelo número relativamente menor de votos necessários para eleger um pequeno representante insular para um cargo. Isto ocorre porque os parlamentos, mesmo em pequenas jurisdições, terão sempre um número mínimo de membros e, por isso, são desproporcionadamente grandes, em relação ao tamanho do eleitorado. Estes baixos números e rácios tornam inevitáveis as relações pessoais, e tanto o eleitor como o candidato são suscetíveis de se darem a conhecer um ao outro. De facto, as pequenas sociedades insulares podem afirmar, com razão, que evidenciam uma das maiores afluências às urnas do mundo: em Malta e na Islândia, a afluência às urnas é tipicamente de 90% ou mais (apesar de a votação não ser obrigatória). Tais sociedades não são necessariamente exemplos de forte envolvimento dos cidadãos e de boas práticas democráticas; são também locais onde pode não ser boa ideia ser visto, e portanto conhecido, como um não votante (Hirczy, 1995).

Outra justificação para o papel extraordinário do Estado nas pequenas sociedades insulares tem a ver com a massa crítica. Isto sugere que qualquer sociedade, e especialmente uma jurisdição, exigirá um conjunto de papéis tipicamente desempenhados pelo Estado: um presidente do parlamento, um comissário da polícia, um juiz-presidente, um chefe de finanças, um responsável pelos correios, um secretário da saúde. Quer se trate da Índia (a maior democracia do mundo por população) ou do Tuvalu (o mais pequeno Estado insular soberano do mundo), estes papéis devem existir numa democracia que funcione bem. Se não forem capazes de distribuir estes papéis por igual número de pessoas, as pequenas sociedades podem combinar, e combinam, alguns destes papéis dentro da descrição de funções da mesma pessoa. Por conseguinte “não só existem menos papéis numa sociedade de pequena escala, mas devido à exiguidade do campo social total, muitos papéis são desempenhados por relativamente poucos indivíduos” (Benedict, 1967, p. 26).

Esta sobreposição de papéis pode levar a situações de conflito de funções: os mesmos indivíduos são postos em contacto várias vezes em vários contextos sociais, e onde estão conscientemente a desempenhar papéis diferentes. Nos pequenos sistemas sociais insulares, os critérios ascritivos ultrapassam os critérios alcançados, mesmo em contextos nocionalmente meritocráticos. Os colegas de escola primária e secundária voltam a ligar-se no ensino superior, no local de trabalho, noutras atividades sociais, políticas e religiosas. As amizades podem permanecer durante décadas e podem encorajar formas subtis de preferência, discriminação e favoritismo: o que tem sido descrito como “familismo amoral” (Banfield, 1958). Entretanto, as rivalidades também durarão uma vida inteira e podem desencadear inimizades sérias e relações de antipatia, reminiscentes de conflitos de estilo mafioso. Assim, um pequeno cidadão da ilha crescerá numa densa rede de família, amigos e “amigos dos amigos” (Boissevain, 1974) resultante de um “colete-de-forças de vigilância comunitária” (Weale, 1992, p. 9), e acentuada pelo Estado e por um sistema político intrusivo.

Não admira, portanto, que uma pequena sociedade insular (ou política) tenha sido descrita como aproximando-se de uma “instituição total”, um termo popularizado por Goffman (1961). Na maioria das sociedades ocidentais, pode haver fronteiras claras entre os locais onde – e os grupos sociais com os quais – as pessoas trabalham, brincam, rezam, relaxam, comem e dormem. Nas instituições totais, contudo, tais barreiras e fronteiras podem ceder, quebrar-se ou serem inexistentes. O termo foi cunhado para se referir a asilos (instituições mentais com reclusos residenciais), mas foi alargado para se aplicar a locais tais como internatos, prisões ou quartéis militares. Dada a forma como a totalidade se aplica, como descrito acima, uma pequena sociedade insular, e especialmente uma pequena jurisdição insular, poderia também qualificar-se a essa definição. Afinal, numa instituição total, “… todos os aspetos da vida são conduzidos no mesmo lugar [leia-se: pequena ilha] e sob a mesma autoridade única [leia-se: o Estado, o governo, bem como a sociedade obcecada pela vigilância]” (Goffman, 1961, p. 12). As pequenas ilhas têm sido descritas de forma diferente como instituições totais nos últimos anos devido às crescentes disposições dos seus governos no sentido da titularização e da segurança das suas fronteiras: quer em resposta à chegada de “imigrantes indocumentados”, quer como uma medida de proteção proativa face à ameaça do Covid-19 (Lemaire, 2014; Agius et al., 2021). Ao fazê-lo, tais governos perseguem o “desejo inatingível da insularidade” (Perera, 2009, p. 1). Os centros de detenção insular “funcionam como ilhas dentro das ilhas, como que para acentuar e parodiar o desejo de conter e isolar” (Mountz, 2017, p. 75).

Godfrey Baldacchino

Referências

Agius, K., Sindico, F., Sajeva, G., & Baldacchino, G. (2021). ‘Splendid isolation’: Embracing islandness in a global pandemic. Island Studies Journal, 17(2), ___-____.

Baldacchino, G. and Veenendal, W. (2018). Society and community. In G. Baldacchino (Ed.), Routledge international handbook of island studies: A world of islands (pp. 339-352). London: Routledge.

Banfield, E. C. (1958). The moral basis of a backward society. New York: Free Press.

Benedict, B. (Ed.) (1967). Problems of smaller territories. London: University of London and Athlone Press.

Boissevain, J. (1974). Friends of friends: Networks, manipulators and coalitions. New York: St Martin’s Press.

Bongie, C. (1998). Islands and exiles: The creole identities of post/colonial literature.

Erk, J., & Veenendaal, W. P. (2014). Is small really beautiful? The microstate mistake. Journal of Democracy, 25(3), 135-148.

Goffman, E. ( 1961) Asylums: Essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York:Anchor Books.

Hirczy, W. (1995). Explaining near‐universal turnout: The case of Malta. European Journal of Political Research27(2), 255-272.

Lemaire, L. (2014). Islands and a carceral environment: Maltese policy in terms of irregular migration. Journal of Immigrant & Refugee Studies12(2), 143-160.

McLeod, A. (2007). Leadership models in the South Pacific. State, society and governance in Melanesia program. Canberra: Australian National University.

Mountz, A. (2017). Island detention: Affective eruption as trauma’s disruption. Emotion, Space and Society24(1), 74-82.

Perera. S. (2009). Australia and the insular imagination: Beaches, borders, boats and bodies. New York:Palgrave Macmillan.

Weale, D. (1992). Them times. Charlottetown, Canada: Institute of Island Studies, University of Prince Edward Island.

Especialização Flexível

Qualquer sociedade, e especialmente uma jurisdição, exigirá um conjunto de papéis tipicamente desempenhados pelo Estado: um presidente do parlamento, um comissário da polícia, um juiz-presidente, um chefe de finanças, um responsável pelos correios, um secretário da saúde. Quer se trate da Índia (a maior democracia do mundo por população) ou do Tuvalu (o mais pequeno Estado insular soberano do mundo), estes papéis devem existir numa democracia que funcione bem. Se não forem capazes de distribuir estes papéis por igual número de pessoas, as pequenas sociedades podem combinar, e combinam, alguns destes papéis dentro da descrição de funções da mesma pessoa. Por conseguinte “não só existem menos papéis numa sociedade de pequena escala, mas devido à exiguidade do campo social total, muitos papéis são desempenhados por relativamente poucos indivíduos” (Benedict, 1967, p. 26).
Para ilustrar isto com um exemplo da vida real, considere o departamento de sociologia de uma grande universidade pública. A York University (YU), Toronto, Canadá (população: 36 milhões) é uma grande instituição pública do ensino superior com mais de 55.000 estudantes. Emprega 41 académicos a tempo inteiro no seu departamento de sociologia (https://www.yorku.ca/laps/soci/). Na Universidade de Malta (UM), a única universidade pública neste pequeno estado insular (população: 500.000) com cerca de 12.000 estudantes, existem apenas seis académicos a tempo inteiro no departamento de sociologia (https://www.um.edu.mt/arts/sociology/ourstaff). Ambos os departamentos devem ensinar sociologia a nível de graduação e pós-graduação, e liderar ou supervisionar a investigação de ponta neste campo. Isto significa que os sociólogos da UM não se podem dar ao luxo de se especializarem demasiado, ao contrário dos seus colegas de disciplina na YU. Algumas áreas mais restritas de especialização, que podem prosperar na YU, poderão permanecer não reclamadas na UM. E, entre eles, espera-se que os sociólogos da UM alarguem suficientemente o seu portfólio para poderem oferecer um currículo suficientemente abrangente aos seus estudantes; algo que os sociólogos da YU não têm de considerar.
Isto leva a uma situação de especialização flexível na pequena ilha: uma situação em que os indivíduos ocupam nichos vagos, vocacionais ou especializados, não necessariamente porque são peritos experientes e comprovados nesse campo; mas porque podem ter conhecimentos cognatos num campo relacionado. Como homens e mulheres “faz-tudo polivalentes” (Bennell e Oxenham, 1983, p. 24), os especialistas flexíveis são também melhores a “conectar” conhecimentos, gravitando mais naturalmente para posições e epistemologias transdisciplinares. Claro que, para cobrir uma maior amplitude, podem ter de sacrificar a profundidade. Mas tal “profundidade” pode não ser tão crítica em pequenas jurisdições insulares: uma quantidade limitada (e não especializada) de conhecimentos num campo específico pode ser suficiente para satisfazer as necessidades dessa sociedade. “Os países pequenos [muitas vezes insulares] precisam certamente do melhor; mas nos países pequenos, o melhor pode por vezes ser definido em termos de flexibilidade e amplitude, em vez de profundidade” (Brock, 1988, p. 306) … embora isto possa ser difícil de admitir. Prestígio à parte, não há, realmente, outra escolha senão pôr em prática a versão afinada desse velho adágio: ser um homem (ou mulher) dos sete ofícios, e esperemos que suficientemente mestre (ou mestra) de todos eles (Firth, 1951, p. 47; Jacobs, 1989, p. 86). Com o recurso à “multiplicidade ocupacional” (Comitas, 1963, p. 41), qualquer especialização, e a divisão de trabalho que assume, permanece incompleta (Shaw, 1982, p. 98). Há benefícios claros em ser um peixe grande num pequeno lago (Baldacchino, 1997, p. 127).
Investir num repertório de competências, de preferência especializações, sucessivamente e/ou em sincronia, surge como uma estratégia racional: tanto mais que os cidadãos das pequenas ilhas, no decurso da sua vida profissional, têm de enfrentar (muitas vezes repentinos) retrocessos e inversões económicas, bem como aberturas e oportunidades (incluindo a opção de passar tempo fora da sua ilha) (Carnegie, 1982). O alargamento e a multiplicidade de papéis que acompanham tais respostas comportamentais à condição da pequena ilha são mecanismos de resposta sagazes para melhorar, equilibrar e minimizar o risco em condições de expansão ou recessão: uma componente central de um “algoritmo de sobrevivência centrado na segurança” (Brookfield, 1975, pp. 56-57). Há um reconhecimento tácito de que cada opção é, em si mesma, limitada e frágil, não sendo suficiente para constituir uma operação permanente e segura. Isto ocorre quer devido a mudanças no gosto ou na procura dos clientes (através da mudança das tendências do mercado) ou na oferta de talento (devido à facilidade de substituição ou ao aumento da concorrência). A maximização da diversidade de papéis e a exploração das especialidades enquanto e até quando durarem é uma combinação comprovada e vencedora face à incerteza.
Histórias de vida documentadas de cidadãos de pequenas ilhas revelam e ilustram frequentemente como estas pessoas são especialistas e mediadoras flexíveis e de funcionamento essencialmente “glocal”. Considere Isaac Caines (um pseudónimo), estivador, cortador de cana e trabalhador de St Kitts (Richardson, 1983, pp. 54-5); Kawagl, um agricultor de subsistência Chimbu da Melanésia (Brookfield, 1972, pp. 167-8); ou Marshy, o vendedor ambulante especializado em peixe e bammy cozido a vapor, de Kingston, Jamaica (Wardle, 2002).

Godfrey Baldacchino

Referências
Baldacchino, G. (1997). Global tourism and informal labour relations: The small-scale syndrome at work. London: Mansell.
Benedict, B. (Ed.) (1967). Problems of smaller territories. London: Institute of Commonwealth Studies.
Bennell, P., & Oxenham, J. (1983). Skills and qualifications for small island states. Labour and Society, 8(1), 3-38.
Brookfield, H. C. (1972). Colonialism development and independence: The case of the Melanesian islands in the South Pacific. Cambridge: Cambridge University Press.
Brookfield, H. C. (1975). Multum in parvo: questions about diversity and diversification in small developing countries. In P. Selywn (Ed.), Development policy in small countries (pp. 54-76). London: Croom Helm.
Brock, C. (1988). Education and national scale: the world of small states. Prospects, 18(3), 302-314.
Carnegie, C. V. (1982). Strategic flexibility in the West Indies: a social psychology of Caribbean migration. Caribbean Review, 11(1), 10-13, 54.
Comitas, L. (1963). Occupational multiplicity in rural Jamaica. In V. Garfield & E. Friedl (Eds.), Symposium on community studies in anthropology. Proceedings of the American Ethnological Society. Seattle WA: University of Washington Press.
Firth, R. (1951). Elements of social organisation. London: Watts & Co.
Jacobs, J. (1989). The economic development of small countries: Some reflections of a non-economist. In J. Kaminarides, L. Briguglio & H. N. Hoogendonk (Eds.), The economic development of small countries: Problems, strategies and policies (pp. 83-90). Delft, The Netherlands: Eburon.
Richardson, B. C. (1983). Caribbean migrants: Environment and human survival on St. Kitts and Nevis. Knoxville TN: University of Tennessee Press.
Shaw, B. (1982). Smallness, islandness, remoteness, and resources: an analytical framework. Regional Development Dialogue, 3(1), 95-109.
Wardle, H. (2002). Marshy and friends: informality, deformalisation and West Indian island experience. Social Identities, 8(2), 255-270.

Graus de Separação

Esta é a típica conversa criativa “cocktail party”. Encontra-se sozinho numa recepção; e outra pessoa ‘sozinha’ está ao seu lado. Vocês os dois não se conhecem; mas, estarem ambos confinados ao mesmo espaço cria uma obrigação de conversar. Uma forma através da qual dois estranhos fazem conversa é – através de uma série de perguntas educadas, mas exploratórias – escrutinar, sondar e provocar uma ‘terceira pessoa’ que ambos conhecem.
Este comportamento pode acontecer em qualquer lugar. No entanto, num ambiente de pequena escala, com uma população limitada, pode-se ter a certeza de duas coisas: (1) a maioria das pessoas conhecer-se-á diretamente; e (2) para aqueles que não se conhecem diretamente, estão confiantes de que haverá várias “terceiras pessoas” que serão conhecidas por ambas. E é fácil e rápido descobrir quem são essas pessoas. É apenas uma questão de tempo, geralmente alguns segundos, antes de uma sequência de perguntas entre A e B – qual é o seu nome; de onde é; que escola frequentou; onde trabalha – leva naturalmente à sugestão: “conhece C?” e que é respondida por uma resposta favorável. A escolha de ‘C’ é crítica porque ilustra a posição social tanto de A como de B.
Estes conhecimentos, e os juízos que as pessoas fazem uns sobre os outros através de terceiros, levam a uma melhor compreensão das redes sociais.
Para aqueles que se conhecem diretamente uns aos outros, beneficiam de zero graus de separação. Para aqueles que não o fazem, mas que provêm de pequenos sistemas sociais, então a probabilidade é que estejam apenas a um grau de separação, com pelo menos um (provavelmente mais) conhecimento comum a ambos.
Estas observações são evidentes para os cidadãos de sociedades de pequena escala (muitas vezes insulares); não tanto para os cidadãos de ambientes maiores, onde o conceito de um completo estranho é real e possível. Além disso, dada a intensa personalização e a necessidade de “gestão da intimidade” (Lowenthal, 1987) em pequenos ambientes estatais, é de esperar que a maioria dos indivíduos nessas sociedades procure construir relações diretas com “aqueles que importam”, incluindo os que se encontram no cargo mais alto: nada mais do que “graus zero de separação” seria suficiente. Tais relações, conduzindo potencialmente a ligações acolhedoras, seriam esperadas pelas elites político-económicas e os seus grupos de pressão nos grandes países; nas sociedades democráticas pequenas (incluindo as ilhas), elas podem materializar-se entre um segmento significativo da população em geral.
Daí a perceção de que as pessoas nas sociedades de pequena escala estão, na melhor das hipóteses, a zero graus de separação umas das outras; e, no máximo, a um grau de separação umas das outras. Numa linguagem mais simples: o ideal seria que todos conhecessem todos os outros; mas, onde não for este o caso, todos podem ainda conhecer alguém que conheça todos os outros. Isto está documentado no trabalho do antropólogo Joseph Barnes e no seu trabalho de campo na ilha de Bremnes, Noruega, na década de 1950 (Barnes, 1954). Na altura da sua investigação, a população de Bremnes era de 4.600 habitantes.
Tem-se argumentado que todas as pessoas vivas do planeta Terra estão separadas umas das outras por seis graus de separação, no máximo (Smith, 2008). Com a chegada das plataformas de comunicação social nos últimos anos, a distância social em média caiu para menos de quatro graus de separação: uma média de 3,74 para os utilizadores do Facebook (Backstrom et al., 2012); e uma média de 3,43 para os do Twitter (Bakhshandeh, et al., 2011).
O “pequeno problema mundial” é descrito por Milgram (1967, p. 61) no episódio seguinte:
Fred Jones, de Peoria, sentado num café à beira do passeio em Tunis, e a precisar de lume para o seu cigarro, pede um fósforo ao homem da mesa ao lado. Os dois iniciam uma conversa; o estranho é um inglês que, ao que parece, passou vários meses em Detroit a estudar o funcionamento de uma fábrica de tampas reutilizáveis para frascos. “Sei que é uma pergunta tola”, diz Jones, “mas será que por acaso alguma vez se deparou com um indivíduo chamado Ben Arkadian? Ele é um velho amigo meu, gere uma cadeia de supermercados em Detroit”…

“Arkadian, Arkadian”, o inglês balbucia. “Ora, em boa verdade, acredito que sim! Um tipo baixo, muito enérgico, levantou uma grande confusão com a fábrica por causa de um carregamento de tampas para frascos defeituosas”.

“A sério!” Jones exclama espantado.

“Meu Deus, é um mundo pequeno, não é?”.
Milgram (1967, p. 65) prosseguiu relatando que, da sua investigação, “as cadeias variavam de dois a dez intermediários conhecidos, com a mediana a cinco”. Qualquer pessoa parecia ser capaz de alcançar outra pessoa com uma média de seis saltos: a base empírica para a frase “seis graus de separação”. A frequência, a natureza e a probabilidade de conhecer os outros e de se aproximar deles, no entanto, são afetadas por aspetos do património social e económico, tais como a educação, a riqueza e a classe social (Kleinfeld, 2002).
As primeiras provas da ideia subjacente à noção de graus de separação são um jogo registado num conto de 1929 por um autor húngaro (Karinthy, 1929). Uma peça (Guare, 1990) explora a premissa existencial de que cada pessoa no mundo está ligada a qualquer outra pessoa por uma cadeia de não mais do que seis conhecidos. Assim: “seis graus de separação”. Um filme de comédia-drama americano com o mesmo nome, realizado por Fred Schepisi, e inspirado na mesma peça, foi lançado pela Metro-Goldwyn-Mayer em 1993.

Godfrey Baldacchino

Referências
Backstrom, L., Boldi, P., Rosa, M., Ugander, J., & Vigna, S. (2012, June). Four degrees of separation. In Proceedings of the fourth Annual ACM Web Science Conference (pp. 33-42). Retrieved from: https://dl.acm.org/doi/pdf/10.1145/2380718.2380723
Bakhshandeh, R., Samadi, M., Azimifar, Z., & Schaeffer, J. (2011, July). Degrees of separation in social networks. In Fourth Annual Symposium on Combinatorial Search (pp. 18-23). Retrieved from: https://www.aaai.org/ocs/index.php/SOCS/SOCS11/paper/download/4031/4352

Barnes, J. A. (1954). Class and committees in a Norwegian island parish. Human Relations, 7(1), 39-58.

Guare, J. (1990). Six degrees of separation: A play. New York: Vintage.

Karinthy, F. (1929). Chain Links. In: Everything is different. Retrieved from: http://vadeker.net/articles/Karinthy-Chain-Links_1929.pdf

Kleinfeld, J. (2002). Could it be a big world after all? The six degrees of separation myth. Society, 12, 5-2. Retrieved from: https://www.cs.princeton.edu/~chazelle/courses/BIB/big-world.htm

Lowenthal, D. (1987). Social features. In C. Clarke & T. Payne (Eds.), Politics, security and development in small states (pp. 26-49). London: Allen & Unwin.

Milgram, S. (1967). The small-world problem. Psychology Today, 1(1), 61-67.

Smith, D. (2008, August 3). Proof! Just six degrees of separation between us. The Guardian (UK). Retrieved from: https://www.theguardian.com/technology/2008/aug/03/internet.email

Filmografia

Six Degrees of Separation (1993). Produced by Fred Schepisi. Trailer at: https://www.imdb.com/video/vi3416524057?playlistId=tt0108149&ref_=tt_pr_ov_vi and at https://www.youtube.com/watch?v=IBO1Sr14eQQ

Personalização

Sociedades pequenas, muitas vezes insulares, têm sido descritas como sujeitas a uma personalização extensiva: o significado é que a sua vida social, económica e política pode ser fortemente impactada e guiada por decisões tomadas por e para pessoas que se conhecem umas às outras.

Sociólogos clássicos, desde Comte, Durkheim, Tönnies e Weber, assumiram que a marcha rumo à modernidade era universal, imparável e de sentido único: as práticas de sociedades rurais e tradicionais eventualmente dariam lugar a um comportamento mais científico, racional e laico; e que os critérios “atribuídos” que regiam o estatuto e a posição social em tais sociedades – questões como linhagem, família, tribo ou raça – seriam gradualmente substituídos por critérios “alcançados” – como mérito, qualificação e experiência (por exemplo, Foner, 1979). Este movimento aconteceu com a marcha inexorável da urbanização, institucionalização e globalização. No entanto, a transição foi complexa: o nepotismo ainda existe e é regularmente exposto em escândalos. Enquanto que, noutros casos, o impulso para a modernidade até foi revertido: sociedades pequenas e “face-a-face” persistem; e há vários “refugiados do estilo de vida” que estão dispostos e são capazes de abandonar a metrópole anónima e a sua “multidão solitária” (Reisman et al., 1961) e, em vez disso, se voltam a estabelecer em pequenas comunidades insulares onde as crianças podem crescer em segurança, rodeadas por família e vizinhos que se importam em conhecer-se e em cuidar uns dos outros (Baldacchino & Starc, 2021).

Quando David Weale, da Ilha Prince Edward, no Canadá (população: 150.000) fala sobre crescer “num espartilho de vigilância comunitária” (Weale, 1992, p. 9), ele refere-se tanto ao conforto e proteção oferecidos por este regime de segurança orgânico; bem como à sua presença opressiva.

A “hiperpersonalização” é especialmente ativa em jurisdições pequenas (Veenendaal, 2014), onde “toda a gente conhece toda a gente” (Corbett, 2015), as camadas de governo são finas e locais, onde o estado é macio e transparente, e os tomadores de decisão são conhecidos e não conseguem esconder-se na sombra dos quadros políticos ou burocráticos, para o melhor ou para o pior.

Corbett & Veenendaal (2017, p. 31) propõem seis dimensões de personalização na esfera política: (1) uma forte conexão entre líderes individuais e eleitores; (2) uma esfera privada limitada; (3) um papel limitado para a ideologia e o debate de políticas programáticas; (4) uma forte polarização política; (5) a ubiquidade do clientelismo; e (6) a capacidade de líderes individuais em dominar todos os aspetos da vida pública. Essas dimensões são significativas em sistemas políticos pequenos (muitas vezes ilhas) e onde os atores políticos e os seus eleitorados podem e procuram encontrar-se e desenvolver relacionamentos pessoais. Esse comportamento é tornado mais possível e plausível quando o número de votos necessários para eleger um político é baixo. A personalização também pode explicar a alta taxa de votação em jurisdições pequenas, onde não é necessário incentivar o voto multando aqueles que não votam: em tais locais, os cidadãos individuais não se podem dar ao luxo de não votar (Hirczy, 1995).

Nas esferas social e económica, a personalização também é impulsionada pela robustez e resiliência de redes familiares, de parentesco e de amizade. As conexões enredam-se em obrigações que são difíceis de descartar; e será difícil resistir à expetativa de colocar a “família em primeiro lugar”, com consequências graves. Os locais de trabalho, em particular, serão ocupados por trabalhadores que se relacionam entre si, terão simpatias ou antipatias entre si, que fazem parte de uma rede de “velhos amigos” ou “velhas amigas”… e essas dinâmicas informais nem sempre serão evidentes para os seus superiores, para desespero e frustração destes (Baldacchino, 1997).

A personalização enfrenta, manipula e infeta a prática de instituições que, por definição, devem ser justas sendo anónimas. As instituições devem trabalhar com princípios de legalidade e racionalidade, onde aqueles que executam tarefas são recrutados e nomeados com base em parâmetros contratuais, garantidos e/ou credenciados. Mas isso nem sempre acontece, embora possam ser tomadas medidas extremas para manter a pretensão. Um problema surge quando, por exemplo, é necessário contratar uma pessoa com um conjunto específico de habilitações, mas espera-se que essa pessoa “cumpra as etapas” que a instituição exige em termos de processo de contratação: por exemplo, envio de candidatura, seleção, entrevista, preenchimento de documentação, exames médicos, etc. – para poder ser recrutada.

Godfrey Baldacchino

Referências

Baldacchino, G. (1997). Global tourism and informal labour relations; The small-scale syndrome at work. London: Mansell.

Baldacchino, G., & Starc, N. (2021). The virtues of insularity: Pondering a new chapter in the historical geography of islands. Geography Compass, 15(12), e12596.

Corbett, J. (2015). “Everybody knows everybody”: Practising politics in the Pacific Islands. Democratization, 22(1), 51-72.

Corbett, J. & Veenendaal, W. (2017). The personalisation of democratic leadership? Evidence from small states. Social Alternatives, 36(3), 31-36.

Foner, A. (1979). Ascribed and achieved bases of stratification. Annual Review of Sociology5(1), 219-242.

Hirczy, W. (1995). Explaining near‐universal turnout: The case of Malta. European Journal of Political Research27(2), 255-272.

Riesman, D., Glazer, N., & Denney, R. (1961). The lonely crowd: A study of the changing American character. New Haven CT: Yale University Press.

Veenendaal, W. (2014). Politics and democracy in microstates. London: Routledge.

Weale, D. (1992). Them times. Charlottetown, Canada: Acorn Press.

Conflito de Funções

O funcionalismo estrutural é uma ramificação particular da sociologia que olha mecanicamente para a estrutura social e explica a sua coerência e persistência ao longo do tempo. Pode ser descrito como uma escola de pensamento na qual a sociedade é concebida como uma mistura de instituições, relacionamentos, funções e normas. Cada um serve um propósito específico e cada um é essencial para a existência contínua dos outros e da sociedade como um todo. Dentro deste modelo de ordem social, uma função é uma etiqueta de identidade que atribui a indivíduos lugares e poderes específicos dentro do sistema social; lugares e poderes que, por sua vez, são reconhecidos por outros que pertencem à mesma sociedade. Assim: de um professor numa sala de aula espera-se que ensine, que corrija e atribua notas aos trabalhos; e que dê conselhos académicos; enquanto do aluno é esperado que aprenda; siga as orientações do professor; faça trabalhos; e assim por diante. De cada pessoa na sociedade é esperado o desempenho de várias funções – por exemplo, a de pai, professor, amigo, vizinho, ativista político, membro de clube, cliente de supermercado, passageiro de autocarro, etc. – formando juntos um conjunto de funções. Para cada função, as pessoas geralmente entram em relacionamentos com diferentes membros da sua sociedade.

Não há nisto nada específico sobre pequenos sistemas sociais. O que se torna significativo é que, com sistemas sociais de menor dimensão, aumenta a probabilidade de ocorrer sobreposição de funções. Se entra num autocarro como passageiro, mas o motorista é o seu tio; se dá aulas a uma turma, mas um dos alunos é seu primo; se trabalha num banco, mas um dos funcionários é seu companheiro… Os membros que estão “em casa” em relação a uma função específica também são membros da(s) sua(s) outra(s) função/funções. As probabilidades de isso acontecer aumentam com a prática da multiplicidade de funções, uma função da especialização flexível. Quando essas situações ocorrem, as normas, responsabilidades e comportamentos esperados pela complementaridade de papéis (motorista-passageiro; professor-aluno, etc.) podem ficar difusas e tornar-se indeterminadas. Essas situações geram conflito de papéis: fornecem sinais pouco claros sobre qual o protocolo específico que deve prevalecer para as partes envolvidas na relação. A situação está aberta à exploração criativa ou à acomodação e pode até levar à corrupção. Esse comportamento é denunciado, é claro; e pode haver estratégias a ser implementadas para evitar que essas situações surjam em primeiro instância: os professores não devem ensinar e avaliar os seus próprios parentes; e os parceiros sentimentais não devem trabalhar na mesma agência bancária, por exemplo. Mas na prática, essas soluções elegantes podem não existir, especialmente quando não há uma disponibilidade aberta de alternativas.

Para o observador externo sem formação, o conflito de papéis é comum em sociedades pequenas. A natureza complexa e interligada das amizades e relações pode tornar a objetividade presumida e a base jurídico-racional dos papéis um pouco duvidosa. Os estranhos podem sentir-se confusos com os jogos que as pessoas em sistemas sociais pequenos jogam: a multiplicidade de papéis, por exemplo, foi descrita como gestão de crise no limiar da comédia (Weeks e Weeks, 1989) e sobrecarga de papéis (Krone et al., 1989, p. 62), para além de conflito de papéis (Baldacchino, 1997, p. 170). Para quem está por dentro, isto é apenas a rotina da vida numa sociedade pequena (muitas vezes insular). As sobreposições de papéis são “complicadas” (Baldacchino, 2007, p. 7). Não vão desaparecer. Devem ser geridas da melhor maneira possível; os limites devem ser respeitados e os incumbidos de papéis devem ser poupados de embaraços ou incertezas que podem afetar o seu trabalho e a sua probidade.

O funcionalismo já não é uma escola de pensamento dominante na sociologia. Foi fortemente criticado por fraquezas como negligenciar os organismos, a sua incapacidade de acomodar conflitos e explicar adequadamente a mudança social, e a sua falha em abordar desigualdades baseadas em raças, classes ou géneros. Por esta razão, o estudo dos papéis nos sistemas sociais já não é popular. No entanto, a construção de “controles e equilíbrios” dentro de ou entre organizações, frequentemente toma como garantido que a imparcialidade e a objetividade profissional em relações humanas podem ser estabelecidas. Mas as várias formas pelas quais as pessoas podem conhecer-se e estar relacionadas umas com as outras, com simpatias e antipatias associadas, em sistemas sociais pequenos, é um dado que pode afetar essas relações. Os partidos políticos, por exemplo, podem dominar todos os três ramos do governo, diretamente ou de outra forma, mesmo em democracias; e não apenas em pequenas jurisdições insulares, embora neste último caso seja mais provável que tal situação se desenrole (Baldacchino, 2012).

Godfrey Baldacchino

Referências

Baldacchino, G. (1997). Global tourism and informal labour relations: The small-scale syndrome at work. London: Mansell.

Baldacchino, G. (2012). Islands and despots. Commonwealth & Comparative Politics50(1), 103-120.

Baldacchino, G. (2013). History and identity across small islands: A Caribbean and a personal journey. Miscellanea Geographica, 17(2), 5-11.

Krone, C., Tabacchi, M. & Farber, B. (1989). A conceptual and empirical investigation of workplace burnout in the food service. Hospitality Education and Research Journal, 13(1), 83-91.

Weeks, J., and Weeks, P. (1989). A day in the life of the Ministry of Education: case study Vitalu. Survival is the name of the game. Paper presented at Pan-Commonwealth meeting on the organisation of ministries of education in small states. Malta: University of Malta.

Angeliki Mitropoulou

Angeliki Mitropoulou é estudante de doutoramento no Departamento do Ambiente, Universidade do Egeu (Grécia) fazendo investigação sobre a condição de ilhéu (Ilheidade), sustentabilidade das ilhas e marca do lugar. Trabalha para os setores público e privado há quase uma década e exerce agora funções numa empresa de investigação. É também investigadora no ENA – Instituto para Políticas Alternativas, e é membro ativo do Observatório do Turismo Sustentável do Egeu.

amitro@env.aegean.gr

A Ilheidade

Atualmente, prevalecem duas visões do que é a ilheidade, e qual é a diferença entre esta expressão e o seu termo relacionado, insularidade. A primeira perspetiva adota a narrativa de que a ilheidade é de certa forma uma evolução académica da insularidade e a segunda sugere que a insularidade é uma caraterística padrão, como a pequena dimensão, o afastamento e o isolamento, a identidade experiencial especial, e o ambiente natural e cultural rico e vulnerável. Acrescentando à discussão pública que se relaciona com a forma como as ciências vêm as ilhas e, consequentemente, como as ilhas são geridas através de políticas públicas, é crucial lançar luz sobre a ilheidade como uma expressão contemporânea.

Como Conkling (2007, 200) argumenta, as ilhas são fundamentalmente definidas pela presença de massas de água frequentemente assustadoras e ocasionalmente intransitáveis que criam uma sensação de um lugar mais próximo do mundo natural e de vizinhos cujas excentricidades são toleradas e abraçadas. Dada esta afirmação, argumenta (Conkling 2007, 200) que “a ilheidade é muitas vezes considerada como uma sensação metafísica derivada das elevadas experiências que acompanham o isolamento físico da vida insular, […] como um importante fenómeno meta cultural que ajuda a manter as comunidades insulares apesar das assustadoras pressões económicas para as abandonar”. Descreve brevemente a ilheidade como “uma construção da mente, uma forma singular de olhar para o mundo”. É estar ou não estar numa ilha.    

Em qualquer caso, dado que ambos os conceitos (insularidade e ilheidade) comunicam, presume-se também que a ilheidade inclui quatro caraterísticas/aspetos principais: delimitação, exiguidade, isolamento e litoralidade (Kelman 2020, 6). A delimitação descreve as fronteiras e os limites físicos das ilhas. A exiguidade refere-se à área terrestre, população, recursos e oportunidades de subsistência. Isolamento significa distância, marginalização e separação de outras áreas terrestres, pessoas e comunidades. Por último, mas não menos importante, a litoralidade, refere-se a interações terra-água, zonas costeiras e interseções de achipélagos e aquapélagos (Kelman 2020, 7).

Adicionalmente, Baldacchino (2004, 278), de outra perspetiva mais prática, argumenta que “a ilheidade é uma variável interveniente que não determina, mas antes contorna e condiciona eventos sociais e físicos de formas distintas, e distintamente relevantes”. O autor sublinha que “isto não é fraqueza ou deficiência; pelo contrário, aí reside a maior força e o enorme potencial deste campo” (Baldacchino 2006, 9). Faz também uma sugestão interessante sobre a ligação entre a ilheidade e a insularidade: “investigadores e profissionais devem estar conscientes de quão profundamente enraizadas e estultificadas podem ser as consequências sociais da ilheidade e esta caraterística específica pode na realidade ser chamada insularidade” – Baldacchino (2008, 49). Assim, o autor assume que a ilheidade não é sinónimo de insularidade, mas esta última é uma das muitas caraterísticas da ilheidade, que descreve uma condição específica que distingue as comunidades insulares. A insularidade pode ser considerada como um breve termo para descrever a perifericidade, que pode incluir três tipos de distanciamento: o físico, o imaginativo e o político-jurídico (Nicolini e Perrin 2020).

Há provas suficientes de que as ilhas – as pequenas ilhas em particular – são locais distintos o suficiente, ou abrigam caraterísticas suficientemente extremas de processos mais gerais, para justificar a sua relevância continuada como sujeitos/objetos de foco e investigação académica. Há um debate no âmbito da nissologia, ou seja, o estudo das ilhas nos seus próprios termos, sobre a singularidade das ilhas. Outros ainda consideram as ilhas como “laboratórios vivos”, centrais para a compreensão do que acontece subsequentemente no território continental. As ilhas são muitas vezes vistas como lugares que precisam de ser salvos e tratados de forma diferente do continente para alcançar os padrões continentais dominantes. De facto, as ilhas têm sido sempre um pomo de discórdia, quer vistas como paraíso ou inferno.  A investigação interdisciplinar sobre a essência das ilhas e o que constitui a condição insular dentro de um quadro crescente da “nissologia”, reforçou a necessidade de distinguir a insularidade da ilheidade.  Nenhuma ilha é insular, o que significa “completa em si mesma”. Uma abordagem que se baseia no argumento de que as ilhas precisam de ser estudadas nos seus próprios termos, que também está alinhada com uma utilização politicamente mais correta da terminologia associada, tem gradualmente substituído a insularidade pela ilheidade. A insularidade como termo, tem sido amplamente utilizada no meio académico e público em geral para descrever caraterísticas ‘objetivas’ e mensuráveis, incluindo áreas de pequena dimensão, reduzida população (reduzido mercado), recursos limitados, isolamento e perifericidade, bem como ambientes naturais e culturais únicos, que sintetizam uma condição insular. No entanto, envolve também uma “identidade experiencial” distintiva, que é uma qualidade não mensurável que expressa os vários símbolos a que as ilhas estão ligadas (Spilanis et al. 2011, 9). O termo “insularidade” surgiu involuntariamente com uma bagagem semática de separação e atraso. Este negativismo não faz justiça ao tema em questão (Baldacchino 2004, 272).

E é de grande importância que a ilheidade e as quatro dimensões acima mencionadas, tenham de ser examinadas mais de perto através de várias lentes disciplinares. A essência dos “estudos insulares” é a constituição da ilheidade e da sua possível ou plausível influência pelas disciplinas tradicionais unidisciplinares (tais como arqueologia, economia ou literatura), disciplinas multidisciplinares (tais como economia política ou biogeografia) ou focos/questões políticas (tais como governação, património social, eliminação de resíduos, extinção linguística ou turismo sustentável) (Baldacchino 2006, 9). A evolução da terminologia relacionada com as ilhas é apenas um dos sinais que afirma que as ilhas são de facto localizações para grandes questões e desenvolvimentos no século XXI, sendo considerado como um dos desafios epistémicos mais fundamentais da atualidade que sejam estudadas nos seus próprios termos.

Mitropoulou AngelikiSpilanis Ioannis

Referências

Baldacchino, G. 2004. The coming of age of island studies. Tijdschrift voor economische en sociale geografie, 95(3) : 272-283.

—. 2006. Islands, island studies, island studies journal. Island Studies Journal1(1): 3-18.

—. 2008. Studying islands: on whose terms? Some epistemological and methodological challenges to the pursuit of island studies. Island Studies Journal3(1): 37-56.

Conkling, P. 2007. On islanders and islandness. Geographical Review, 97(2): 191-201.

Kelman, I. 2020. Islands of vulnerability and resilience: Manufactured stereotypes?. Area52(1): 6-13.

Nicolini, M., & Perrin, T. 2020. Geographical Connections: Law, Islands, and Remoteness. Liverpool Law Review, 1-14.

Spilanis, I., Kizos, T., Biggi, M., Vaitis, M., Kokkoris, G. et al. (2011). The Development of the Islands – European Islands and Cohesion Policy (EUROISLANDS). Final report. Luxemburg: ESPON & University of the Aegean. Available at: https://www.espon.eu/sites/default/files/attachments/inception_report_full_version.pdf (Accessed: 07 December 2020)

Ana Bela Morais

É investigadora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com o projecto «Censura e Cinema no Espaço Ibérico, de 1968 à actualidade», no Subgrupo Diálogos Ibéricos e Ibero-Americanos e coordenadora do Grupo LOCUS do Centro de Estudos Comparatistas. Ensina História do Cinema, Cinema e Literatura e o Seminário Tempos e Espaços no Cinema Português. Entre outras publicações é autora de Censura ao Erotismo e Violência. Cinema no Portugal Marcelista (2017) e coordenou os Dossiers “Censura ao cinema nas ditaduras ibéricas” Ler História (2021) e “Imagens Interditas: censura e criação artística no espaço ibérico contemporâneo” Diálogos (2022).

M. Francisca Alvarenga

M. Francisca B. B. de Alvarenga is currently working on her PhD in Comparative Studies at the School of Arts and Humanities of the University of Lisbon (FLUL). She is a Member in Training at the Centre for Comparative Studies at FLUL. She completed her Master’s Degree in Intercultural Studies at Aarhus University, Denmark, and was awarded her BA in Arts and Humanities, with a Major in English Studies, at FLUL. She is a member of the Editorial Board at estrema. Her research areas cover Queer Studies, Gender Studies, Literature, Cinema and Television, Media, Necropolitics, and (Neo)-Victorianism. For more see: www.cienciavitae.pt/en/E114-A139-B40D.

mfalvarenga@campus.ul.pt

Paulo César Vieira Figueira

Paulo Figueira é doutorado em Ilhas Atlânticas: História, Património Cultural e Quadro Jurídico-Institucional (especialidade em Património Cultural). É membro integrado do CEComp e membro colaborador do CLEPUL. Desde a licenciatura, tem mostrado interesse pelo caráter insular da identidade madeirense, através da literatura (poesia e romance histórico) e com particular relevância para as obras de José Agostinho Baptista e de João dos Reis Gomes, sobre as quais tem apresentado diversas comunicações e artigos. No mesmo registo, tem procurado o estudo de escritores cabo verdianos e açorianos. paulocv@sapo.pt.

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